MÉDICOS QUE PRESCREVIAM LIVROS

Achei estranho o cartaz: - “Dores da alma? Atendo na livraria da esquina”. Era logo ali; a um passo de onde eu estava. Como fazia aquele médico para cuidar de pacientes num ambiente tão incomum? A curiosidade fez-me aprovar o anúncio. Havia se instalado em mim um conflito existencial e uma faxina se fazia urgente.

Logo, pude perceber o estilo da consulta: os pacientes é que decidiam sobre o remédio. As prateleiras repletas de bulas literárias. Para cada enfermidade, uma indicação correspondente. E eram vários os orientadores daquele projeto inusitado: Nietzsche, Sêneca, Schopenhauer, Hegel, enfim... Corri para eles:

“Tome, Dr., esta tesoura, e... corte Minha singularíssima pessoa. Que Importa a mim que a bicharada roa Todo o meu coração, depois da morte?!” E foi Augusto quem me recebeu. A dosagem que me foi administrada teve um efeito potencializador.

“A água da fonte é inesgotável”. Não havia uma doença fisiológica aparente; era falta de consciência. O inimigo era eu mesmo, portanto. Como não atentar para os sintomas?. fantástico! Não iria precisar mais de ansiolíticos para poder me equilibrar na corda-bamba de minha própria existência. Aqueles médicos prescreviam livros!

Passei, então, a tomar viciantes doses de Sócrates, ou seja: a buscar a verdade no meu próprio ser de sujeito. Por meio de uma leitura mais contemporânea, inspirada em sua filosofia, vi que a preocupação com a aparência e o consumo, estava me deixando alheio às coisas. “É preciso conhecer a si mesmo para não perder-se”.

Seguia rigorosamente o tratamento: Uma consulta aos sábados, sem ordem de chegada. Olhava os títulos até que um deles me chamava. Bastava uma palavra para que uma nova possibilidade se abrisse. Assim, por entre as brechas de uma estante e outra – novas pessoas saiam de dentro das velhas carcaças e se transmudavam para a eternidade das letras, enfim, curadas.

Segui, ritualisticamente, daquele jeito, por longos e deliciosos anos. Sempre os mesmos hábitos: chá com biscoitos, pós, ácaros e traças... - Consciente da minha relação com os outros e com o mundo, sem nunca mais precisar ser outra pessoa.