REMÉDIO AMARGO

Bons amigos que eram, Pedro, Nilo, Ricardo e Roberto. Nasceram ali no bairro, companheiros desde a infância, parceiros de peripécias e molecadas dos bons tempos de outrora. Agora quando adultos continuavam a manter os laços de amizade bem mais edificados. Trabalhadores de profissões diferentes, os quatro amigos costumavam reunir-se a noite para jogar um carteado, para esse propósito, mantinham um quarto devidamente preparado para o bendito passatempo noturno, que tornara-se um gostoso vício, aliviando assim as tensões do trabalho, os problemas de família, emfim, dos percalços desta vida desgraçada de pobre assalariado, que como bem diz o ditado ‘‘vive de teimoso’’.

Todas as noites salvo algumas exceções, os quatro amigos reuniam-se após o jantar, para o sagrado joguinho que se estendia até meia-noite, hora de recolherem-se para o descanso, pois afinal de contas na manhã seguinte novamente haveria batalha, ou seja, trabalho. Tudo ia muito bem, mas não é que se mudou para o bairro, um tal de Gomes, sujeito bem apessoado, bom papo, e logo fez amizade com a vizinhança, incluindo os quatro amigos aqui citados. Coisa normal e boa, mas como nem tudo é perfeito, Gomes resolveu também participar do carteado, participar como se diz, não como parte integrante, mas sim, como expectador. o que se chama no jargão popular dos jogadores, ‘‘Peru’’.

Impreterivelmente às noites lá estava o Gomes, que como já foi dito, angariou com sua simpatia a amizade de todos, não era rechaçado pelos quatro amigos até mesmo para não magoar, pelo contrario, por diversas vezes foi convidado a tomar parte ativamente do jogo, ao que negaceava veementemente dizendo: _Obrigado amigos! Mas não gosto de jogar, divirto-me mais em assistir. Assim passava o tempo, e por mais que se fizesse tentativa em descartá-lo, não tinha jeito, lá estava o Gomes peruando, metendo-se no jogo, dando pitaco (palpites) era daqueles que não sabia ficar calado somente assistindo, metia o bedelho a toda hora, e não há coisa mais irritante de que um ‘‘Peru’’ dessa natureza, tanto é que existe a máxima: ‘‘Peru calado, vale um cruzado’’.

Muitas outras maneiras para afastá-lo foram tentadas. Mudança de local; horários diferentes; dissimulação de desistência, etc...nada surtia efeito. O dito cujo tinha um faro infernal, quando menos se esperava lá estava o Gomes, sentado em sua cadeira, palpitando sem parar: _Ei, Pedro! Esse seu jogo não tá com nada. –Nildo, rouba mais cartas... –E você Ricardo! Forme uma trinca de ases senão você perde. Tanto fazia que de vez em quando era contido pelos jogadores que tentavam de todas as formas fazê-lo calar-se; –Pô Gomes! Não enche. –Sai fora meu, não se mete!. Que o calava momentaneamente, mas daí alguns minutos lá estava o dito cujo novamente pitacando, e torrando a paciência dos quatros amigos.

Assim já era de mais! Algo tinha que ser feito. Mas o quê? Tudo já fora tentado. A única folga que eles tinham era quando Gomes cochilava, já quase no final da brincadeira, lá pelas onze, Gomes sempre dava uma cochilada, uma soneca de mais ou menos cinco a dez minutos, o que era um verdadeiro alívio, mas logo acordava, e voltava à tona com suas peruagens, e pitacos insuportáveis. Foi então que Ricardo teve uma idéia. O cochilo! Isso mesmo! Vamos dar a ele uma dose do seu próprio remédio. Os outros indagaram. –Como fazemos? Ricardo explicou: _ Prestem atenção. Hoje quando o ‘‘Peru’’ (Gomes) cochilar, apagaremos a luz e ficaremos na escuridão total, mesmo assim continuaremos a jogar como se nada houvesse acontecido, faremos bastante algazarra para acordá-lo, entrementes ao acordar e vê tudo escuro, ele irá se assustar e perguntará o que aconteceu, nós responderemos: _Nada ! Está tudo normal, você é que está cego... –O que acham? –Isso mesmo! Exultaram os outros três. _Vamos ensinar-lhe uma lição.

Assim foi feito. A noite como de costume, os quatro amigos reuniram-se no dito e costumeiro quarto em redor da mesa de carteado. Como era de praxe, logo chegou o Gomes, aboletou-se na sua cadeira preferida, e como de sempre, tome palpites e pitacos. Os rapazes fazendo das tripas coração, agüentaram, antegozando o prévio combinado.

Gomes não se fez de rogado, estava com a corda toda, metia o bedelho, dava opiniões, dizia e acontecia. Os outros aguardavam. Não deu outra, lá pelas tantas Gomes cochilou (bendito cochilo). Ricardo levantou-se pé-ante-pé, para não desperta-lo e apagou as luzes. Escuridão total. Um breu. Não se enxergava nada. Conforme combinado e engendrado, continuaram em seus lugares, jogando como se nada de anormal houvesse: – Calma! (aumentando o tom de voz) _Ricardo agora é minha vez. –Que nada você já jogou. –Tá bem! Jogue você! Vou roubar mais uma carta. –Essa eu vou bater com certeza! –Ah! Se eu tirasse uma dama de ouro... Gomes acorda (escuridão total) pisca os olhos, uma, duas, três vezes, tudo escuro: –Ei! Quem apagou a luz? O que está acontecendo? –Nada! (diz Ricardo) que luz? Você está sonhando, durma mais um pouco.

Os amigos continuaram o jogo normalmente. Gomes se exasperava. –Pessoal que brincadeira é essa? Sonhando nada! Estou de olhos abertos, como vocês estão vendo com essa escuridão? – Escuridão? (risos) _você andou bebendo amigo? A luz esta acesa e nós estamos jogando, você esta inventando estórias. Deixe de onda Gomes: _vamos pessoal terminar, essa é a ultima partida. Dizendo assim, os quatro amigos deram prosseguimento ao jogo com a maior naturalidade, Gomes retrucou: –Amigos pelo amor de Deus! Será que estou cego? Oh! Meu Deus! (Gomes ia cada vez mais se desesperando, já quase chorando) _ Oh! Senhor Deus! O que foi que eu fiz? (ao se levantar da cadeira, tropeçou na mesa e nos quatro rapazes) _Estou cego! Estou cego! (gritava, com as mãos na cabeça) _Estou cego! Me ajudem pelo amor de Deus! Quero ver novamente, faço qualquer coisa, por favor me ajudem (entrava cada vez mais em pânico, pedia, jurava, rogava a todos os Santos, etc).

Quando os rapazes notaram que ele já havia levado uma boa lição, então acenderam as luzes e deram boas risadas. Depois então de acalmar o atônito e incrédulo Gomes, explicaram que tudo não havia passado de um trote, para que o mesmo provasse uma dose do seu próprio remédio, e não mais torrasse a paciência dos outros.

Se o remédio foi bom ou ruim não se sabe, o certo e que desse dia em diante, os quatros amigos puderam jogar em paz, sem peruagens e pitacos.

Ignácio Santos.

ignacio santos
Enviado por ignacio santos em 13/07/2016
Código do texto: T5696219
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