O Velho jardineiro voluntário

Hoje está nas redes sociais a ação de compartilhar. Mas, o que nos leva, o que nos motiva a esse exercício? Sem dúvidas, somos motivados, por aquilo que impressiona com intensidade diferenciada, nossos sentidos, e ou nossas emoções e ou nossa razão.

Costumo caminhar pelo menos três vezes por semana. Todos que têm essa saudável rotina sabem, que não só trabalhamos o físico, mas, também, quando atentos, estimulamos os sentidos e as emoções e, quando ausentes, plainando em voo livre com nossos pensamentos, estimulamos emoções e a razão.

Nessa rotina, passei a observar senhor que, o grisalho dos cabelos e certa lentidão nos movimentos indicavam já ter ultrapassado a marca dos setenta. Mas, o que mais chamava atenção era seu trabalho voluntário de escolher áreas públicas tomadas pelo mato e, com muita determinação e trabalho, transformá-las em jardins.

Acompanhei um desses trabalhos desse jardineiro voluntário, pois a área ficava à margem de um dos trechos de minha caminhada. Presenciei o matagal ser retirado, com perseverança, em pequeninos trechos, por cada uma das inúmeras jornadas.

Depois, assisti pequenas mudas sendo transferidas para o pedaço de terra livre de mato, em posições caprichosamente planejadas.

Certo dia, com algumas mudas já como arbustos vencedores, e o vendo retirar parte das ervas daninhas e do mato, que conseguiram resistir ao trabalho daquelas mãos semeadoras e arranjadoras de beleza verde, não resisti, fiz as saudações costumeiras e sem rodeios, indaguei: o que motiva o senhor a fazer tão árduo e belo trabalho?

Primeiro, sou aposentado, mas posso viver, apesar de sem luxos e desperdícios, com minha aposentadoria. Com minha profissão não conseguiria trabalho e, se fosse procurar trabalho de jardineiro, seriam impeditivos meu ritmo e minha experiência. Mas, o trabalho, mesmo que não remunerado e sem qualquer reconhecimento, nos dá dignidade.

Segundo, sempre fui muito ativo e atuei em trabalhos diversos. Além de minha atividade profissional, antes dessa minha jardinagem voluntária, já plantara uma árvore, escrito um livro e criado dois filhos, que me promoveram a avô de dois netinhos e, também, me ensinaram o imenso prazer de transformar áreas da cidade tomadas por mato, em jardins.

Entretanto, apesar de me ter transformado em homem dentro do padrão: “para ser homem, deves plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho”, sempre percebi que, lá no fundo, buscamos a imortalidade que, apesar de ilusória, e o que mais nos realiza.

Assim, ilustre senhor, que acompanha esse meu trabalho, quando por aqui passa em suas caminhadas, vês esse arbusto, foi de semente de angico que fiz muda. Além de ser um dos maiores prazeres fazer mudas e plantar árvores, de tudo que realizei, nada trouxe com mais força a ilusão de imortalidade do que o plantio duma árvore nativa, como angico, que têm sua continuidade protegida por lei.

É que a geração de meus netos já poderá ter reencarnado e esse angico ainda estará a derramar beleza, dando sombra, emprestando seu tronco para os cavalos, se por aqui ainda passarem, coçarem seus lombos.

Perceba esse mesmo sentimento, mesmo que carregado de ilusão, fundamenta-se na longa vida dessas árvores, que ficarão séculos a testemunhar nosso trabalho, portanto replicando nossa existência.

Experimente caro senhor. Tenho certeza que entenderá muito melhor o que motiva esse velho jardineiro voluntário, do que vossa atenção em meus argumentos.

Fiz-lhe reverências, mas nenhuma delas senti à altura do que aprendera naquele encontro. Continuei minha caminhada e não conseguia fazer outra coisa, senão refletir sobre aquele encontro e comprometer-me a experimentar transformar pequenina área da cidade num jardim e a compartilhar o aprendizado e o exemplo dado pelo velho jardineiro voluntário.

J Coelho
Enviado por J Coelho em 12/07/2016
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