NO “BATE-ESTACAS” DOS IPÊS ROXOS...
Ao inferno dos homens que “cuidam”.
São Paulo, pouco mais do meio dia dum domingo invernal seco e com sol a pino.
Cenário conhecido de todos: o CEAGESP.
Entreposto aonde a fartura ,solta da terra e acumulada nos lixos dos desperdícios, ainda nos mostra a dádiva resilientemente milagrosa do abandonado celeiro do mundo.
Dentre as sequenciais horas dos inúmeros trabalhadores de dura labuta pela vida, clientes procuram pela variedade de alimentos a preços distantes da onda especulativa do momento, enquanto pombos ciscam as migalhas espalhadas num chão duro, de odor ocre, dentre as flores descuidadas, caídas,as das cerejeiras cor –de- rosa, recém chegadas, exuberantes e carinhosas rumo ao céu anil, coloridas das antíteses dos cenários que compõem as surrealidades da vida.
Fim da maratona da manhã, o início do último ato da saga dos homens ditos privilegiados pela dignidade da existência: rumo à avenida que se acessa pelo portão da saída, em exposição a peça no teatro do abandono social a protagonizar, sem tapetes, a cena mais cáustica que cidade alguma mereceria encenar.
Cena plantada pelos descasos sequenciais no tempo.
Ali, a briga não é por moedas das compaixões automatizadas, nem pelas migalhas esquecidas num chão indigno, nem pelo digno trabalho dos malabaristas das ruas , tampouco pela sorte que sustenta a vida dos homens "nobres".
Dentre a escassez do verde robusto,ali a disputa se sela pelo encontro da àrvore mais alta e mais forte, cujos caules e troncos possam firmemente sustentar a lona das barracas estacadas para a vida invisível, tão crescente de adversidades pelas ruas das cidades.
O pó de todas as drogas ali é o curativo dual: às vidas mortas plantadas no nada e às incuráveis chagas abertas nas almas ainda vivas.
Então, prontamente escolhi um ipê roxo para me estacar: ali ancorei a tenda do meu poema decaído em consonância com as raízes tão frouxas e céticas, as do meu sentimento interior.
Segui pelo fluxo anestesiado que já não nos permite parar, nem para olhar...