Vida de enfermeira
"Enfermeira? O paciente do quarto 102 retirou o cateter e disse que vai embora. Você pode vir aqui?"
3:35. Os corredores são tomados por um silêncio absoluto e ensurdecedor. Adentro a enfermaria e avisto a figura não tão adorável do paciente que acorda os demais para fazer-me queixas
"Escute bem, eu tenho família. Não passo mais nem um dia aqui! Não vou assinar coisa alguma, eu vou embora!" Gritou apontando o dedo
"Tudo bem. Pediria em ocasiões normais que ficasse, mas não posso obriga-lo. Estimo melhoras" pronuncei por fim, cansada após tentar pela terceira vez mantê-lo ali. O senhor levantou-se apressado e não tardou a deixar-nos, seguido pelos olhares mal-humorados de meia duzia de pessoas que tiveram o sono interrompido. Virei as costas desejando boa noite quando fui abordada novamente
"Estou sentindo dor. Já que você está aqui, poderia olhar meu curativo? Ou peço a uma técnica?" disse a paciente que havia feito uma histerectomia, dias atrás
"Não, não, estão todos dormindo. Eu avalio, e troco."
Fiz a assepsia e troquei cautelosamente o curativo, enxugando de sangue o algodão entre os pontos. Voltei ao quarto de descanso torcendo para que estivesse tudo bem e para que eu conseguisse dormir mais algumas horas que me restavam. Eu consegui, e por Deus, foi maravilhoso. Acordei alarmada e segui para a organização dos prontuários. Logo que cheguei em minha sala notei que estava faltando algo... "Ah! O menino do 101 vai receber alta hoje pela manhã, preciso vê-lo" lembrei. Larguei tudo e fui correndo encontra-lo. Fiquei aproximadamente dois minutos parada o observando brincar com a mãe; o curativo no rosto o impedia de fazer movimentos faciais bruscos, mas sua risada era estridente. Faltariam-me palavras para descrever a cena com exatidão dos detalhes, mas posso mensurar que eu gostava dele. Lembro-me do seu rostinho adormecido na sala de cirugia, inconsciênte. Seus olhinhos abriram-se antes do esperado, e ele lutou firmemente para manter-se acordado. Afaguei seu rosto tentando dizer "Está tudo bem" mas graças a Deus ele não voltou a fitar-me antes do término do procedimento. Logo que ele notou minha presença, naquela manhã, parou a brincadeira e ficou retraído. Eu já esperava por isso, então me aproximei e dei um beijo em sua testa: "Fique bem" disse carinhosamente, para logo após dar os conselhos pós-cirúrgicos devidos a mamãe que me olhava atenta. O vi sair sorridente, assim como tantos outros naquela manhã, e com eles, um pouquinho de mim. Eu não sabia o que iria acontecer com eles dali em diante: Iriam casar? Ter filhos? Netos? Iriam voltar? Para a última pergunta, torci que não. Há com uma enfermeira, o sentimento materno, que insiste em não nos deixar. O cuidado é algo nobre e exercido pelas mãos que pretendem acalmar, e acima de tudo, acalentar. Sorri quando ao chegar na sala recebi honorável papelzinho amassado:
"Obrigado por cuidar de mim" escreveu as mãos trêmulas de uma criança, seguido por um desenho ao lado. Isso bastou. Acredito seguramente que sempre irá bastar.