É domingo
Domingo. O sinal está vermelho. O ônibus para. Da janela, uma visão panorâmica da realidade: seres humanos, automóveis, lojas, casas. Lá fora, pessoas conversam sobre suas vidas, seus sonhos, suas frustrações. No ônibus, pessoas conversam sobre suas vidas, seus sonhos, suas frustrações. Um cachorro sem coleira atravessa a rua. Ele também tem sonhos e frustrações. Queria ter um lar, um dono, uma família que lhe desse carinho e boa comida. Mas não tem e vai continuar sua vida nas ruas virando latas de lixo, como a que encontrou na calçada do bar da esquina.
É o bar do Seu João. Lá, resquícios de uma noite de bebedeira. Latas e garrafas espalhadas pelo chão. O sábado deve ter sido agitado. O sábado tem mesmo essa fama de ser “o dia”. Homens, mulheres, som, bebidas. Talvez até algo mais! O que pode ter acontecido ali na noite anterior ficará nas lembranças de cada um daqueles seres humanos. Ou não! Talvez nem lembrem o que houve na noite anterior.
Mas Dona Maria das Dores, dona de casa, lembra muito bem o que houve na noite anterior. Sentada ao lado de Dona Josefina no ônibus, as duas conversam sobre o assalto que aconteceu no bairro naquela noite agitada de sábado, aquele conhecido como “o dia”. Foi tarde da noite. Dona Maria das Dores colocava a janta do marido quando ouviu gritos de alguém que lembrava muito a voz do seu filho mais velho. Saiu correndo pelo extenso corredor daquela casinha simples, mas que havia recebido de herança de seus pais. Chegou na porta da rua e constatou: era mesmo seu filho mais velho, 25 anos, caído, com a perna sangrando. Haviam lhe derrubado da moto e roubado seu celular que acabara de comprar na promoção daquela loja do centro da cidade, mas ninguém se importava, afinal o que vale é a vida, não um mero aparelho que se pode obter de novo. Dona Maria das Dores foi às pressas com o filho para o hospital. A sorte foi que ele não fraturou nenhum osso. Mas teve que passar a noite no hospital.
Dona Maria das Dores estava voltando, com sua neta, Aninha, da casa de uma amiga. Aninha é menina esperta, sabida, gosta de estudar e quer ser psicóloga quando crescer. Que fofa! Talvez nem saiba direito o que faz um psicólogo, mas a tia recém-formada em Psicologia é a inspiração dela. Aninha não é menina de um sonho só! Ela também quer conhecer o Rio de Janeiro e, principalmente, o Cristo Redentor. Ela tem um fascínio por aquele Cristo que abraça a cidade e quer sentir-se abraçada também pelo Senhor! Aninha tem um futuro brilhante pela frente. Mas no momento, ela só quer chegar logo em casa, brincar e conversar com a tia que é psicóloga.
O sinal abre, o ônibus segue seu destino. O cachorro, a lata de lixo, o bar do Seu João, automóveis, casas e pessoas na rua vão ficando para trás. Mas ainda continuam a conversar sobre suas vidas. No ônibus, as pessoas também continuam a conversar sobre suas vidas. Ainda é domingo.