Tesoura cega, pode-se amolar

Eu atravessava o silêncio, em silêncio, poderia quebrá-lo facilmente, não fosse a complicada tarefa de fazer barulho numa noite urbana, na qual milhares de olhos cansados descansam para se cansar, e com vozearia, apesar de serem surdos, os olhos se abrem e se enchem de exaustão. Também quem pensa que quero estraçalhar o bendito silêncio, engana-se. Ele hoje é meu companheiro, meu tranqüilizante, hoje ele não está irritante, pelo contrário, sinto que faz bem ao meu semblante. É estranho como o silêncio é estranho, hoje fiquei calado e disseram-me que eu não estava normal, outra vez falei muito e me disseram que eu estava pior que uma tagarela.

Peraí!

Se eu faço silêncio, reclamam, se o quebro com meu estúpido linguajar rezingam. Talvez, o estranho aqui não seja o silêncio, talvez seja eu ou “nós”, os humanos, que nos incomodamos com tudo, se nenhum barulho acontece, têm coisa errada, se alguém não fala nada, é uma pessoa fechada, estranha. Se há um barulho constante, é irritante, se alguém fala de mais, o chamam de chato, papagaio que engoliu um alto-falante.

E aí, falo mais ou menos? Não, para um mais ou menos pode ser muito ou pouco, a solução é deixar do jeito que está, falar ou calar-se quando der vontade, foda-se essa incomodidade!

Uma flecha alva o silêncio

Sou eu, indeciso.

Varando a noite com pensamentos imprecisos

O silêncio está na mira

Mato ou não mato?

Grito ou não grito?

Acompanho o rebanho ou me pinto de preto?

Ovelha negra não tem conceito nem respeito

É crucificada pelo rebanho calado

Que sobrevive guiada pelo pastor ingrato

Que pega a lã, em troca injusta de água e pasto.

Deixa sua cria falar, desde que o sol pela terra esteja alastrado.

As ovelhas brancas dormem, descansam para cansar-se.

Amanhã é quarta feira, dia de sacrificar-se.

A este rebanho infelizmente vou estar junto

Mas por pouco tempo

Essa cerca eu arrebento no dia em que eu tiver meu próprio sustento.

Aí meus amigos, lamento.

Vou pintar-me de preto,

Matar o silêncio e o tempo

e ser o novo tormento

dessas ovelhas de estimas pequenos.

Enzo Pinho
Enviado por Enzo Pinho em 18/07/2007
Reeditado em 22/07/2007
Código do texto: T569266