Piticó, picumã e piruá
Vovó Inhana não se alfabe(s)tizou. O pai temia que, escolarizada, a filha descambasse a escrever carta pra namorado - e deixasse as obrigações de lado. E que eram muitas, de sol a sol, do trato com a casa, à criação, à plantação. E cadeado no portão.
As precauções do brabo Lourenço "Língua de Fogo", no entanto, foram baldadas, quando aos 14 apenas, a filha subiu ao altar e ao catre, com o quatro vezes viúvo curvelano, seleiro Velusiano, já mais velho que o próprio sogro.
E vovó, no pouco que se lamuriou, a labuta diuturna enfrentou, chegando a parir 11 vezes pra conseguir um saldo de sete sofreviventes, que chegariam à idade adulta, e provecta até.
Quinto neto seu, foi sessentona que com o primeiro beijo seu, nos braços me recebeu. E me benzeu, bem seu, muito embora nosso convívio não chegasse a ser muito frequente. E a razão é que morávamos a uma certa distância e, ocupada que era com as domesticidades, suas visitas regulares eram ao quintal para acompanhar a botação das galinhas ou à igreja para se iluminar sob as velinhas. O resto era para a cozinha, para alimentar cinco dos filhos solteirões.
O pouco tempo de que dispunha, que mal sobrava para os adereços particulares, fê-la andar sempre de piticó - o cabelo preso, enrodillhado, e nem ousar limpar o picumã que lhe ensombreava o teto da cozinha - e vai ver que nisso alguma superstição tinha - e nalguma hora vaga fazer um agrado aos netinhos, arrebentando pipoca que invariavelmente, competia mal com os piruás que ficavam por último
mas que acabavam empatando só no desafio para os nossos dentes desafiadores, arautos de nossa fome irrefreável.
No mais, era pura candura, a vovó que já ia ganhando a áurea de alvura. Acolhia de bom grado, e num difícil bem redobrado, as noções que os netos escolados tentavam passar-lhe sobre nossa história, nossa geografia, pois aritmética ela já sabia. E até notas de cruzeiros, pela cor reconhecia. E mais que elas todas valia.