BOM TEMPO AQUELE

Bom tempo aquele em que o médico da família era o farmacêutico da esquina, não indo as suas prescrições além de maná com sena, elixir paregórico, Biotônico Fontoura e Emulsão de Scott, ficando o resto por conta da mamãe de cada um que na condição de  guardiã da saúde dos seus, sem nenhuma suspeita gastronômica , acreditava que o segredo de uma vida longa e saudável, estava ligado a uma alimentação adequada, composta de carboidratos, proteínas e gorduras.
Por isso mesmo, a mamãe de cada um, empanturrava o senhor seu marido e os seus rebentos, que caíam sem culpa nem medo no repasto. E assim o dia começava doce: café com açúcar; leite com nata, pão com manteiga; cuscuz, tapioca; ovos e queijo.
Se no café da manhã a caldeira das calorias era efervescente, imagine o quanto borbulhava no almoço, que variava entre  um cozido de peito ou costela servido com pirão; galinha à cabidela e feijão verde; mocotó acompanhado de rapadura, feijão branco e farinha; rabada com agrião; buchada de carneiro; costeleta de porco com batata doce corada; carne vermelha; feijoada completa, arroz, farofa e vez por outra, macarrão. De sobremesa um docinho de jaca ou goiabada guarnecido com queijo do sertão. Tudo rebatido com um suquinho de manga.
Para fechar o dia, servia-se no jantar, uma carne de sol com arroz de leite; macaxeira; batata doce e queijo de coalho assado. E antes de dormir um prato de coalhada com bastante açúcar.
De barriga cheia, ignorando colesterol e triglicéride, muitos desse tempo morreram depois dos oitenta, outros cresceram e se multiplicaram e vivem até hoje.
E agora? Bom, agora, estou eu aqui almoçando duas folhas de alface sem sal , só algumas gotas de limão, um filé de peito de frango  grelhado e meio copo de suco de cenoura sem açúcar, já que hoje tudo faz mal  e engorda e o doutor do coração,  que cuida de mim proíbe gorduras, carne vermelha, sal, açúcar e massas e os outros doutores que cuidam disso e daquilo proibiram o resto.
Não existe mais prazer em saborear sequer um doce, um salgadinho, os que se aventuram, forçosamente irão parar no divã do analista, tamanho será  o seu sentimento de culpa. E haja SPA e academias de ginástica para acomodar a legião de atormentados.
E como se não bastasse a tortura física, via barriga, imposta pela medicina, vem agora  mais uma novidade dos cabeças-pensantes de Harvard, precisamente um tal de Dr. Herbert Benson, que depois de  anos de pesquisas, solta os seus números e estatísticas, alertando que, ai daqueles de espírito macambúzio, pessimista, depressivo e ansioso. A sentença é de que um indivíduo de mente tão pra baixo, gera no cérebro uma reação química que se espalha pelo corpo, atingindo o coração ou gerando câncer.
Pois me diga: de barriga vazia, lendo, ouvindo e vendo o noticiário terrivelmente violento  e deparando-se com um governo feito cobra mordendo o seu próprio rabo; relatos e mais relatos de falcatruas pra tudo quanto é lado. Como é que você se sente? Macambúzio e pessimista,  né não?
Mas não se avexe não, viu? Lembre-se que João Batista – o que batizou Jesus- alimentava-se de gafanhoto e o filósofo Schopenhauer, o maior pessimista e depressivo que se tem noticia, viveu mais de oitenta anos.
Zélia Maria Freire
Enviado por Zélia Maria Freire em 07/07/2016
Reeditado em 07/07/2016
Código do texto: T5690606
Classificação de conteúdo: seguro