Pequenas histórias 146
Eu já paguei
“É fim de mês, é fim de mês, é fim de mês, é fim de mês, é fim de mês! Eu já paguei a conta do meu telefone, eu já paguei por eu falar e já paguei por eu ouvir. Eu já paguei a luz, o gás, o apartamento
Kitnet de um quarto que eu comprei a prestação pela Caixa Federal, au, au, au, eu não sou cachorro não (não, não, não)!
Eu liquidei a prestação do paletó, do meu sapato, da camisa
que eu comprei pra domingar com o meu amor
lá no Cristo Redentor, ela gostou (oh!) e mergulhou (oh!)
E o fim de mês vem outra vez!.” – È fim de mês, Raul Seixas.
É fim de mês e o ordenado antes de cair na conta já está todo predestinado às dividas para garantir a sobrevivência nossa de cada dia. A vida é suspensa pelas contas automáticas ordenando o que devo ou não devo fazer. Mesmo assim, uma extravagância ou outra é feita para a felicidade interna e egocêntrica, porque como diz o velho deitado: “Mais vale um gosto do que dinheiro no bolso.”
Acho que pressenti quando o Johnny, o folgado deixou de respirar. De madrugada acordei, não lembro as horas, olhei para o gato todo confortável na caixa que lhe foi preparado e, percebi que estava imóvel, não notava sua respiração. Passei a mão pelo o corpo quando ele deu um miado profundo num misto de rosnado mais para bravo do que consciente do que se passava com ele. Está vivo ainda, pensei. Voltei a dormir. De manhã estava morto. Hoje depois de duas semanas, tenho certeza que aquele momento em que o acarinhei foi o seu último miado.
Impaciente, ando impaciente. Uma impaciência de não conseguir ficar muito tempo imóvel, num mesmo lugar. Por isso o fretado está sendo para mim um suplício. A perna começa a formigar reclamando da posição. Mudo-a de lugar. Segundos depois preciso mudar novamente. Cruzo-a por cima da esquerda forçando os músculos com a finalidade em estender a carne obrigando-a a sentir dor. O que não adianta nada. Volta a formigar. Olho para fora pelo vidro da janela do ônibus tentando prender a atenção ao movimento dos carros, o que não resolve. Abro o livro pela segunda vez e acompanho as aventuras corriqueiras de uma menina de dezenove anos parecendo ser mais velha. Olho o relógio. Impaciente, verifico que já são quase sete e meia e o ônibus nem bem entrou na Consolação. Olho para o cara sentado ao meu lado num sono ferrado pode cair o mundo no precipício do caos humano que ele não está nem aí. Passeio o meu olhar pelos outros bancos, aqueles que a vista consegue alcançar, todos dormem, menos eu. Se ao menos o sujeito fosse para outra poltrona!
Ainda bem que hoje é sexta-feira, melhor ainda, a última sexta-feira do mês quando a firma oferece aos aniversariantes do mês um suculento café que muitos nem almoçam, se empanturram de pães, bolos, salgadinhos e refrigerantes. Assim matam a parte da manhã nos comes e bebes permeado de conversas corriqueiras estreitando cada vez mais o calor da amizade ou, como diz alguém: amigo não, colegas de trabalho. Alinhais, essa semana foi um tal de matar a manhã que não está escrito em gibi nenhum. Mas como disse o poeta: “Tudo vale a pena se a alma não for pequena.” E eu digo: tudo é válido para o bom andamento profissional e, deixo aqui os meus parabéns aos aniversariantes.
pastorelli