Marido de aluguel

Acontece que eu não sou para casar. Não tenho os dotes que se espera de um bom marido. Pelo menos não esses que anunciam nos serviços de “marido de aluguel”. Um marido de aluguel, se bem entendi, é um sujeito que entende de elétrica, mecânica e hidráulica. Pinta a casa, conserta máquinas de lavar, instala divisórias, ventiladores de teto, suportes para televisão. Se for o caso, monta e desmonta móveis. Faz todo tipo de reparo doméstico. É, portanto, alguém de muita utilidade no dia-a-dia, e tanto melhor será se uma pessoa dessas estiver dentro da nossa casa, se dormirmos com ela todas as noites. Lamentavelmente, eu não sou prendado a este ponto, o que significa que, vez ou outra, precisaria contratar os serviços de um Ricardão para garantir o bom funcionamento da casa.

Não herdei, nem de longe, os talentos do meu avô materno, que, sem nenhum conhecimento teórico, conseguia montar e desmontar aparelhos eletrônicos. Meus conhecimentos em termos de reforma doméstica se limitam a trocar a lâmpada, e ainda assim com certa dificuldade. Em geral, quando alguma coisa estraga, eu a deixo estragada por vários dias, na esperança de que não pensar no problema possa ser suficiente para resolvê-lo. Se ainda assim o problema persistir, não tem jeito, é preciso pedir ajuda especializada. Nem que seja para o meu vizinho.

O meu vizinho é aquele que acorda de madrugada. É preciso dar um nome para ele: Carlão, um nome forte, másculo, nome de homem mesmo. O Carlão é um cara grande, tem voz firme e grossa, é prático e objetivo. Pode até não resolver o problema, mas tentará de maneiras que nunca me ocorreriam. A própria Dona Lúcia, a mulher que aluga os quartinhos, volta e meia pede sua ajuda. Quando pede a minha, o resultado é desastroso. Eu até tento, sei que ela enxerga em mim um homem capaz de resolver problemas, mas normalmente não faço ideia do que fazer. Há alguma coisa no meu cérebro que não funciona direito, talvez um lado seja mais ativo do que outro, talvez o meu cérebro só tenha um lado. O fato é que eu tenho muita dificuldade com atividades manuais.

Na verdade, de homem mesmo, ou daquilo que se imagina que um homem tenha, eu não tenho muita coisa. Eu sequer participo daqueles rituais tribais diante de uma grelha ou de uma mesa de bar. Gosto de esportes, okay, mas não de carros. Mesmo na infância, nunca participei de uma competição de cuspe à distância. Tenho, é verdade, maior facilidade em seguir mapas do que orientações espaciais. Se eu ficar perdido, dificilmente pedirei ajuda, mas isso se deve muito mais à minha fobia social do que ao fato de ter nascido homem. Aparentemente, as mulheres são melhores em fazer várias coisas ao mesmo tempo, e basta uma simples olhada para a minha tela do computador para perceber que eu não fico atrás.

É claro que, na prática, continuo homem. Só não venham para cima de mim com esse negócio de elétrica, mecânica e hidráulica. Esses tempos eu soube que já há um serviço de marido de aluguel feito por mulheres. Eu acho ótimo. É um argumento que dá mais força para a minha bandeira: pelo direito de ser homem e não saber consertar porcaria nenhuma.

milkau
Enviado por milkau em 03/07/2016
Código do texto: T5686269
Classificação de conteúdo: seguro