MEMÓRIAS DE UM TEMPO QUE SE FOI...
MEMÓRIAS DE UM TEMPO QUE SE FOI...
"Pode haver terra que não toque em outra,
mas não há homem sem amigos".
(antigo provérbio latino, autor ignorado)
Realmente posso ser considerado meio infantil pois quase todas as minhas recordações se referem a um distante Passado, vivido entre a praia de Copacabana e o Morro onde nasci. Nasci é modo de falar, minha mãe teve seus gêmeos "Cosme e Damião" -- segundo o registro oficial da Maternidade -- num hospital em Laranjeiras. Adiante seríamos batizados como Sérgio e Celso, que meu pai achando que eram nomes de pobres, "substituiu" na Certidão por Renato e Cincinato. Mas o Destino estava traçado e POBRES continuamos sendo vida a fora... e, aqui estamos, 63 ANOS depois, catando "lixo urbano" enquanto recicladores.
O que me prende ao Passado é uma nêsga de areia quente, de uns 1.000 mil quadrados, bem em frente à rua Siqueira Campos. Fiz de lá meu "quartel general" -- epa, "General" foi também meu apelido,creio que mandava muito -- e passava sábado e domingo inteiros na praia, sem nenhuma preocupação com água e comida. Com sol ou chuva, tempo frio de inverno ou no verão escaldante, lá estava eu às 8 em ponto, 8 e meia quando me atrasava. Os amigos chegavam cedo também, boa parte morava ao lado do mar, alguns poucos 3 ou 4 quadras mais longe. Já eu andava perto de 1 km, descendo uns 400 metros de Morro íngreme, mais uns 700 de asfalto quente.
Curiosamente, mesmo sabendo que eu era favelado, ninguém jamais me discriminou, sequer me olhavam como vagabundo ou malandro, até porque alguns eram de famílias humildes ou moravam na Ladeira Tabajaras, "porta de entrada" do Morro do Cabritos.
O grupo de amigos comuns foi crescendo, quem era aceito trazia mais 3 ou 4 e chegou a perto de 30, "divididos" em 3 alas distintas. A maioria, que só jogava volley (na época se escrevia assim!), a minoria renitente que só queria saber de "pelada" e odiava jogar bola "com as mãos" e uns 4 ou 5 "gatos-pingados" que começavam no vôlei e, com sol a pino e areia a 40 graus, vinham "dar uma força" no GOLZINHO, "invenção" minha até onde sei e que se iniciou por volta de 1972 ou 73, não sei ao certo. Antes disso as "traves" eram montinhos de areia "enfeitados" com chinelos ou copos de papel, que a Era do Plástico ainda não existia.
"De saudade se vive, de saudade se morre"... escreveu a poetisa Sônia Barreto, em 1955. Continuo a viver de saudade de cada um deles, perto de 30 rapazes e 2 ou 3 meninas, que o "Clube do Bolinha" era obrigação naqueles tempos. Eu tinha mais amizade com os mais simples, modestos e mais admiração pelos demais, seja pela finesse, pela educação ou carisma, pela simpatia ou disposição.
Me "virava do avesso" para estar em todos os lugares ao mesmo tempo, tentando ainda agradar a "panelinha" (como o pessoal do vôlei apelidou os "peladeiros") que só começava o jogo com minha presença. Como esse grupo chegava tarde à praia, por volta das 10 horas, eu jogava vôlei (como levantador) entre as "feras" juvenis que pontificavam na rua Santa Clara, quase todos de Clubes. Assim que no "meu" grupo surgia um jogador com qualidades eu o apresentava ao pessoal da Santa Clara. Naquela quadra havia um velhinho de uns 80 anos ou mais, energia pura, levantador excelente à moda antiga, que fazia até jovens passarem vergonha na quadra... era conhecido como "General". (Só não sei se meu apelido posterior teria surgido ali!)
Mas, voltemos à nossa quadra... o Giovanni Mestollo jogava vôlei e "pelada" com uma camiseta de mangas que não tirava o ano inteiro, nem na água. No dia em que tirou eu estava com a máquina fotográfica e registrei a "camisa" estampada na pele branca de "italiano", os braços morenos como contraponto. Seu irmão Miguel, um "girafão" de 1,85 cm aos 14, 15 anos era remador. Me levou para ver uma Regata inesquecível na Lagoa... jamais imaginei que um esporte qualquer fosse tão extenuante! Os jovens desembarcavam exaustos, sem conseguir falar, à beira de um colapso ou desmaio. Já o João (Arcanjo?) e o elegante Flávio moravam em frente ao prédio do Giovanni e, por causa de uma severa miopia, o João era o "saco de pancadas" da "panelinha" porque "furava" as bolas que ía chutar e era um "desastre" na LINHA DE PASSE, paixão dos cariocas.
Tempos que não voltam mais... um certo "Augusto" me convenceu a "tomar conta" do Mirim de um time de futebol de praia famoso na área em frente à rua Figueiredo Magalhães. Fiquei mês e meio, se tanto, e "passei a bomba"adiante, o pai de um dos jogadores assumiu. Depois, acabei por aceitar cuidar dos descompromissados garotos do "Força Jovem" e, logo depois, de um time de camisa azul-clara, apoiado por uma Imobiliária, a LANÇA, se não me falha a memória. Mas nunca fui realmente um técnico, pouco entendia das posições, número na camisa, essas bobagens, era prático e intuitivo.
Lembranças e mais lembranças... me pergunto se quero vê-los?! Creio que não, prefiro as agradáveis recordações de 40 ANOS atrás. "Orelha" digo, Ivandro Gouveia -- que me achou na Internet em 2008 -- cortou relações comigo assim que fiz brincadeira de péssimo gosto com o nome de seu time, o Botafogo. Prejuízos sentimentais à parte, saí ganhando: êle tirou fotos do grupo (por volta de 1990), me enviou pelo Correio e pude rever muitos dos amigos que alegraram meus dias nos anos 70 e 80, mais uma vez... e com o mesmo prazer!
Por isso, acabo de criar no FACEBOOK o grupo "POSTO 3 - SIQUEIRA CAMPOS" que irá eternizar momentos desses meus amigos de juventude e o que mais couber sobre aquele "pedaço de mar" e referente a todos os que ali cresceram e viveram... espaço aberto a quem tenha FOTOS e memórias relativas ao local, entre 1940 e 1990, mais ou menos. Estão todos CONVIDADOS! Registre-se shoppings da época, mercados, feiras livres, bares famosos, sinucas, "pinballs", cinemas, teatros, boutiques, magazines, etc, vale tudo!
Por incrível que pareça, se eu não estava trabalhando nos sábados -- por isso só escolhia empregos de escritório -- iniciava uma "maratona" difícil de acreditar e que só findava lá pela meia-noite de domingo. E não era apenas porque adorava futebol (que hoje tem meu desprezo) mas por detestar ficar no Morro. Assim, subia às pressas por volta das 14 horas, comia "qualquer coisa" e descia "voando" para apreciar os torneios oficiais de "pelada", radinho de pilha colado ao ouvido, acompanhando o que sucedia no Maracanã, ao qual só fui 1 vez (por insistência do Guerra) para ver o Flamengo perder do Colo-Colo por 3 x 0, isso em 1978, eu acho. Creio ter sido eu quem apresentou "Zé" Lucílio ao grupo, para "castigo" de quase todos ou dos adversários, pelo menos. Com altura, desenvoltura, boas noções de volleyball e mão pesada, o Zé desequilibrava qualquer partida.
Lá pelas 19 horas tornava eu a "escalar" a pedreira íngreme ao lado do Túnel Velho, em total escuridão, para descer pouco depois e reencontrar os amigos no "calçadão" da Av. Atlântica, conversa animada até as 23 horas, meia-noite, às vezes. E logo pela manhã no domingo, mal alimentado e mal dormido, eu recomeçava TUDO de novo.
No meio da semana também descia de noite, mas para correr. Se estava desempregado, me "entocava" no barraco ("almoçando" pão com banana, pão frito ou com margarina e açúcar ou, ainda, tomate "recheado" de açúcar) e ninguém me via a semana inteira, não queria passar por vagabundo. Minha "carreira" de atleta os amigos não conheceram, não fazia alarde disso, mas participava de corridas oficiais na Zona Sul inteira.
Quando houve a I Maratona na praia, patrocinada pela Sul América de Seguros (em 1978?), me inscrevi. Fui à praia só para relaxar... nada de vôlei ou "golzinho"! Ledo engano: "me acabei" no vôlei" e joguei "pelada" até às 13 horas, subi o Morro às pressas, para descer em seguida, ía correr junto com um amigo da rua Santa Clara, o Vinícius, salvo engano. Mesmo assim, completei uns 26 quilômetros, correndo do Leme até a Central do Brasil e voltando à Av. Atlântica. Sem noções de alongamento, passei a madrugada tremendo e suando frio, tive cãimbras horrendas por 1 semana, urinei sangue por uns 3 dias, os músculos da coxa "colaram" aos ossos e eu mal podia andar. Assim terminou minha aventura!
Lembranças, lembranças... e a Vida se vai !
"NATO" AZEVEDO (compositor e escritor) - 26/junho 2016
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OBS: quem tiver FOTOS e recordações dos tempos de praia no POSTO3 poderá participar do Grupo recém-aberto no FACEBOOK.)