A pianista
Eu achava as normalistas bonitas, o uniforme com saia azul marinho pregueada e camisa branca com mangas compridas. Eram moças suaves que visitavam a escola onde eu estudava. Ficavam silenciosas no canto da sala de aula e eu sentia uma vontade enorme de ser normalista. Acho que todas as meninas sentiam essa vontade de ser bonita e suave e passar as mãos sobre os cadernos com tal delicadeza como se fizessem carinho num filho. Elas tinham uma vocação materna que nos sorria pelas manhãs. Tinham um mesmo jeito de andar, os cabelos quase sempre presos num rabo de cavalo com a franja cobrindo a testa e disfarçando os olhos que levavam uma resignação nata embutida neles. Eram moças matutinas que andavam em grupos abraçando os livros, preparando os braços prá abraçar a vida.
Todas as manhãs eu pensava que seria um dia uma normalista, não fosse por ela, a professora de piano que atravessava em meu caminho me espicaçando. As aulas eram à tarde na sala do pequeno apartamento com janelas altas e entreabertas. O piano no canto me desafiava em dó, em ré, em mi, e em mim era como se eu jamais conseguisse ir mais adiante. Ali eu ficava com minhas mãos de menina sobre as teclas brancas ansiando pela hora de alcançar as teclas pretas e passear pelas notas com os dedos soltos e independentes.
Ela sentava ao meu lado e me mostrava como era simples desatrelar os dedos, e tocava de um jeito suave como se tocasse uma pétala de rosa aveludava e enchia a sala com o perfume que ela usava. Na mão direita um anel dourado reluzia. Eu olhava o seu rosto de moça tão bonito como o de uma normalista, ela tocava e sorria e me olhava como se me falasse: “Vê! É tão fácil a vida...” e a música crescia e atravessava as frestas das venezianas ganhando a rua. E eu sempre me perdia vespertina prá me encontrar de novo matutina, até que houve aquela tarde em que ela apareceu diferente no meio da sala com o piano coberto e as cortinas cerradas. Seus cabelos soltos tinham as marcas dos laços que criaram ondas e cachos que caíam sobre os seus ombros. A face pálida e os olhos vermelhos contrastavam em seu rosto que agora não era o rosto da moça cálida que me sorria a vida com toques mágicos.
O que eu via era um rosto de mulher que eu menina, até então, não percebia. Um rosto denso, intenso como a música que ela tocava prá despedida das aulas de piano que terminavam numa tarde qualquer em que seus dedos trotavam sobre o teclado com a garra de um animal em fuga. Olhei suas mãos despidas de anéis e num canto da sala sua mãe chorava enquanto a música crescia, atravessava as cortinas, rompia as frestas, ganhava a rua, fugia no vento atrelada em sua crina. Atrelava em mim uma vontade noturna de ser pianista.
Eu achava as normalistas bonitas, o uniforme com saia azul marinho pregueada e camisa branca com mangas compridas. Eram moças suaves que visitavam a escola onde eu estudava. Ficavam silenciosas no canto da sala de aula e eu sentia uma vontade enorme de ser normalista. Acho que todas as meninas sentiam essa vontade de ser bonita e suave e passar as mãos sobre os cadernos com tal delicadeza como se fizessem carinho num filho. Elas tinham uma vocação materna que nos sorria pelas manhãs. Tinham um mesmo jeito de andar, os cabelos quase sempre presos num rabo de cavalo com a franja cobrindo a testa e disfarçando os olhos que levavam uma resignação nata embutida neles. Eram moças matutinas que andavam em grupos abraçando os livros, preparando os braços prá abraçar a vida.
Todas as manhãs eu pensava que seria um dia uma normalista, não fosse por ela, a professora de piano que atravessava em meu caminho me espicaçando. As aulas eram à tarde na sala do pequeno apartamento com janelas altas e entreabertas. O piano no canto me desafiava em dó, em ré, em mi, e em mim era como se eu jamais conseguisse ir mais adiante. Ali eu ficava com minhas mãos de menina sobre as teclas brancas ansiando pela hora de alcançar as teclas pretas e passear pelas notas com os dedos soltos e independentes.
Ela sentava ao meu lado e me mostrava como era simples desatrelar os dedos, e tocava de um jeito suave como se tocasse uma pétala de rosa aveludava e enchia a sala com o perfume que ela usava. Na mão direita um anel dourado reluzia. Eu olhava o seu rosto de moça tão bonito como o de uma normalista, ela tocava e sorria e me olhava como se me falasse: “Vê! É tão fácil a vida...” e a música crescia e atravessava as frestas das venezianas ganhando a rua. E eu sempre me perdia vespertina prá me encontrar de novo matutina, até que houve aquela tarde em que ela apareceu diferente no meio da sala com o piano coberto e as cortinas cerradas. Seus cabelos soltos tinham as marcas dos laços que criaram ondas e cachos que caíam sobre os seus ombros. A face pálida e os olhos vermelhos contrastavam em seu rosto que agora não era o rosto da moça cálida que me sorria a vida com toques mágicos.
O que eu via era um rosto de mulher que eu menina, até então, não percebia. Um rosto denso, intenso como a música que ela tocava prá despedida das aulas de piano que terminavam numa tarde qualquer em que seus dedos trotavam sobre o teclado com a garra de um animal em fuga. Olhei suas mãos despidas de anéis e num canto da sala sua mãe chorava enquanto a música crescia, atravessava as cortinas, rompia as frestas, ganhava a rua, fugia no vento atrelada em sua crina. Atrelava em mim uma vontade noturna de ser pianista.