CAUSOS E LEMBRANÇAS DE VIDA
CAUSOS E LEMBRANÇAS DE VIDA
Itaituba, Pará, cidade de garimpo à beira do alto Tapajós, o rio mais lindo da Amazônia, de uma cor verde esmeralda de águas cristalinas que seduz mais que sereia. Na verdade, a cidade era uma grande favela no ano de 1986... não imagino como deve estar hoje.
Nosso Navio de Assistência Hospitalar Oswaldo Cruz, da Marinha do Brasil, recebeu a ordem para a comissão de atendimento em apoio ao combate à malária na região. Fizemos nossa base nessa cidade que crescia em função dos garimpos de ouro e da extrema violência, como um velho oeste brasileiro.
Na condição de oficial pediatra do navio, atendia de segunda a sexta feira os ribeirinhos da região e aos sábados e domingos folgávamos.
Certo sábado resolvi andar pela cidade à procura de uma ¨donzela¨ que tinha me prometido alguns momentos inesquecíveis de prazer. Andei, andei, andei e não a encontrei, apesar da orientação de nunca sairmos sozinhos do navio, pois a cidade era perigosa. Caminhei à tarde pela rua principal de Itaituba, perpendicular ao rio Tapajós, onde passei por vários locais que se intitulavam cabarés, mas que mais pareciam o plenário do Congresso Brasileiro, de tão esculhambados que eram.
Por não ter encontrado a tão desejada criatura, resolvi encostar num desses estabelecimentos. Lá chegando, ao perceber olhares masculinos pouco amigáveis, resolvi pagar uma rodada de cerveja pra todo mundo. Foi o suficiente para que todos me tratassem como um príncipe, facilitando para que eu dançasse com todas as ¨garotas¨ do recinto.
Uma delas, depois de umas dez cervejas, me deixou particularmente impressionado. Acho que me apaixonei por ela... a paixão passageira do viajante.
Dançamos a mesma música durante umas dez horas. Tinha chegado às cinco horas da tarde e sai carregado por ela às três da madrugada do outro dia. Carinhosamente ela me deixou no navio, me deu uma bitoca e sumiu. Importante dizer que não me roubou, não me agrediu e não me enganou. Até hoje sou grato a ela pelas horas agradáveis que passamos juntos. Nunca mais a vi.
O navio partiu para o seu destino amazônico e não voltei mais para Itaituba.
Ironicamente, a música que tanto dancei nessa noite foi composta por Moraes Moreira, dos Novos Baianos, que encontrei no aeroporto de São Paulo uns cinco anos depois. Tive a oportunidade de lhe falar dessa minha experiência. Ele, que parecia uma girafa de tão alto, educadamente riu e comentou que uma das maiores gratificações de um artista é saber que tantas pessoas anônimas têm histórias, como a minha, e formam uma memória ao som de obras artísticas como a música.
É o amálgama da tradição e cultura de um povo. Registro a seguir, com saudades, essa música tão importante na minha história de vida.
Marco Antônio Abreu Florentino
https://youtu.be/HTQIAP5PMks
SINTONIA - MORAES MOREIRA