POR UM TRIZ

Não. Este texto não é um comentário sobre o filme americano “Por um Triz”, de 2003, estrelado pelo galã Denzel Washington, onde seu personagem é um policial gente boa, metido a Ricardão, que entra de gaiato num golpe bastante criativo. Como veremos adiante, talvez o ponto comum com esta narrativa seja apenas o final feliz. A história aqui contada também tem ares de aventura, porém foi um fato real, vivenciado por este que vos fala, na terça dia 01/03, no ainda bucólico Parque Cruz Aguiar, mais exatamente na Rua Alagoinhas, Rio Vermelho, Salvador, Bahia, logradouro de destaque pela presença eterna de Jorge Amado, seu mais ilustre morador.

Cheguei por aqui em 1982, exatamente quando meu filho nasceu, a paixão pela rua foi imediata, tanto que estou aqui até hoje, evidentemente os tempos são outros, mas a essência de bairro ainda é fortemente percebida. Lá se vão três décadas subindo e descendo a ladeira da Alagoinhas, cumprimentando vizinhos e eventualmente passantes desconhecidos, parando na pracinha para ir na banca de revistas de Romualdo verificar o que tem de novo para ler. A trajetória às vezes inclui um papo rápido com Nandão, morador tradicional do local e proprietário do mais alternativo dos bares do Rio Vermelho, e rotineiramente um cumprimento aos taxistas do ponto, dos quais sou amigo de alguns e cliente da maioria, já que ainda muito jovem abdiquei do estresse de comandar um volante. Carros nunca foram o meu forte.

Dia bonito, hora do lusco-fusco se aproximando. Tudo nos conformes, brisa suave balançando os galhos das árvores, a pracinha na sua rotina diária, e aí começa o filme de ação que poderia ser inscrito naqueles festivais de películas de trinta segundos, ou reportagem bem ao gosto daqueles apresentadores de TV que faturam com a audiência que devora histórias de proporções trágicas que afetam o alheio. Vinha eu nas minhas tranqüilas passadas, quando de repente ouvi um ruído rasgando o céu bem acima da minha cabeça, nem tive tempo de pensar, de sedentário passei a velocista. E uma arrancada à la Usain Bolt salvou minha vida. Quando olhei para trás vi a fogueira que pulei, tomando como minhas as palavras ditas por um dos populares que chegou correndo para conferir a quase tragédia. Parte de uma árvore estava no chão, galhos esparramados para todo lado, susto generalizado em quem acompanhou a cena inesperada num tranqüilo final de tarde de verão. Fui salvo pelos meus reflexos, mas, evidentemente, o sagrado se fez presente, não era minha hora, meu eterno agradecimento aos apóstolos e aos orixás, particularmente ao meu ori.

Algumas constatações: a) o meio ambiente precisa de atenção redobrada das autoridades, no caso municipais, com tratamento prévio das árvores e podas periódicas, combinando segurança e estética, notadamente em parques, jardins e locais de circulação constante de transeuntes e veículos; b) a possibilidade de tragédia expõe a solidariedade e a afeição dos participantes do cotidiano do bairro, a preocupação da galera comigo chegou a ser comovente, as manifestações sinceras após o final feliz jamais serão esquecidas; c) vale a pena considerar o chavão “não deixe para amanhã o que pode fazer hoje”, não vamos procrastinar atitudes e decisões, já que nem sempre apóstolos e orixás vão estar à disposição para quebrar o nosso galho, ou melhor, desviar de nós o galho que poderia nos ter quebrado.

A história de ontem foi assim, hoje me sinto literalmente renascido, esperando que as subidas e descidas na Alagoinhas ainda se repitam por muito tempo. Mas confesso que enquanto não tiver certeza que a conservação ambiental, pelo menos por aqui pelo Parque, estará sendo feita pelas autoridades com o rigor e competência que merece, vou olhar para as árvores com o amor de sempre, mas com a desconfiança necessária. Até porque sou daqueles que acredita que um raio pode cair duas vezes no mesmo lugar.

Salvador, 02 de março de 2016

Dilton Machado
Enviado por Dilton Machado em 30/06/2016
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