DA VIDA DE “QUALQUER UM”: VOCÊ SABE COM QUEM ESTÁ FALANDO?

Crônicas são relatos vivenciados no dia-a dia e que nos quais, querendo ou não, acabamos por nelas colocar nossas impressões mais profundas, nossos desabafos e nosso convite à reflexão.

Quero aqui falar na violência social.

Claro, lugar comum dum assunto mais comuníssimo ainda!

Hoje, "comunizamos" o sofrimento globalizado e tal conseguimos com perfeição.

Todavia, não quero falar naquela violência explícita que pontua as notícias de todas as mídias, os hospitais, as delegacias, os fóruns, a psiquiatria forense, o sistema carcerário, os compêndios de criminologia, enfim, dessa vida surreal violenta a qual todos estamos submetidos e sobre a qual muitos opinam, muitos falam como expertises, fazem brilhantes diagnósticos nos palanques, mas que pouco ou nada resolvem entre nós, seres sociáveis e perdidos.

Quero falar da violência silenciosa que norteia o subliminar das nossas vidas, e não vou falar muito, apenas vou exemplificar com um fato que presenciei numa cena de supermercado, num diálogo comum entre duas pessoas: o cliente, uma senhora já bem idosa, e a funcionária do caixa.

Término do registro das compras e do empacotamento dos produtos comprados:

-Você não viu que essa sacolinha pode furar, ô menina?-perguntou a cliente à caixa.

-Pois não senhora, então coloque mais essa outra para reforçar.

-Mas você me cobrou outra sacolinha! Duas sacolinhas!

-Senhora, é meu dever cobrar a sacolinha, me desculpe, a senhora pode desistir dela, é seu direito.

-Mas é você quem vai carregar o pacote prestes a furar...para mim?

-Senhora , eu sou caixa, cumpro meu papel.

-Então, peça para a loja me chamar um táxi para me levar em casa!

-Senhora, não temos mais aquele telefone por aqui, nem para nós funcionários.

-Mas vocês funcionários não precisam de telefone mesmo, nós os clientes é que precisamos. Vocês abusam dos telefones...

-Digo, senhora, caso a gente precise numa emergência pessoal, desculpe, foi o que eu quis dizer, não temos mais o telefone.

- E não precisam ter mesmo, porque ,hoje em dia, “qualquer um tem um celular”.

Registro que a caixa nada lhe respondeu.

Quando chegou minha vez a funcionária me olhou, acredito que leu meu pensamento, e apenas me disse assim, acho que já observando minha expressão de repúdio à arrogância daquela senhora:

”A senhora viu?- é por isso que vivemos o que vivemos no Brasil. Eu sou caixa, mas eu mereço respeito como qualquer um.

Eu apenas lhe devolvi uma opinião:"parabéns pelo seu equilíbrio e educação".

Saí dali agredida e pensativa, como sempre saio das tristes realidades que me instigam a escrever por perplexidade.

E o que mais me intriga: O TEMPO. Ah, o tempo...senhor traiçoeiro, que apenas parece inerte.

Mas deduzi: Há os que , mesmo com tanto tempo já vivido, custam a aprender as lições com as quais o tempo todo nos aguarda e nos ensina.

Quando os Homens falham, o próprio tempo disfarçado de vida-professor rigoroso e com palmatórias invisíveis- se encarrega de colocar a todos num pé de igualdade humanamente justa e respeitosa.

É mera questão de dar mais tempo...ao próprio tempo...

E o tempo, decerto que nunca desiste de nos ensinar: ou no amor, ou na dor.