ENTREVISTA DE EMPREGO
Acordara em cima da hora, pois o rádio – relógio não despertara, deveria ter faltado energia durante a madrugada. Estava atrasado, muito atrasado!
Corre daqui, corre dali... Café, tomaria na padaria...?! Não. Sem café, sem café; onde fora parar aquela cueca nova...? — achara!
Continuava a correria: calças, cinto, meias... porra! A camisa listrada estava amassada... — não haveria outro jeito, seria aquela e pronto... Peraí! Pronto, não! Simplesmente, não lembrara de tomar banho! Ah, sim, tudo bem, era verdade; mas já era tarde pra isso — uma vez na vida, então, vá lá, né, passaria...!
Dentes, dentes?! — não. Não tomara café, não precisava! — argumento forte... como aquela halitose.
Chaves de casa... Espera! Estava faltando alguma coisa... Mas é claro. Eram os sapatos!
Calça os sapatos, calça os sapatos! Calça os sapatos!
Mas... onde estavam os sapatos, não sabia! — essa dúvida soara um pouco imbecil, todo mundo sabe que sapatos ficam embaixo da cama. Vai... pega os sapatos! Pega os sapatos! Pega os sapatos!
Só um pé...! Onde estaria o outro pé...?! Procura... atrás da geladeira, procura... procura...
Não estava atrás da geladeira, nem debaixo do sofá, guarda – roupa, fogão... olha o horário! Olha o horário! Olha o horário...!
Dispunha de pouco tempo, mas ainda não achara o outro pé de sapato. Era um grande mistério aquilo; morava sozinho e... não, não pensa demais, não pensa demais, não pensa demais...
Seus olhos brilharam de repente! — Era o outro pé de sapato?! Havia achado? Fora isso, fora isso?! Não, não. Não havia sido isso...
Tivera fora uma ideia louca, muito louca, surreal... surrealíssima, mas a única que conseguira ter. Resolvera, nesse caso, sustentá-la: era candidato a uma vaga de economista em uma multinacional; iria, pois, participar da seleção de candidatos calçando apenas um pé, o esquerdo.
Dois quarteirões aos pulos, metrô: descansa, descansa, descansa... me diga aí como descansar apoiando-se em um só pé, hein? — impossível!
Prédio da multinacional, sala de espera, taquicardia, chegara em cima da hora... Candidatos estranhos olhavam-no de forma atravessada, não entendera. O que estaria acontecendo?!
Curiosamente, após a entrevista coletiva e já na individual, a psicóloga fizera questão de lhe dizer que fora o escolhido, que seria imediatamente contratado. Parece que ela transitava por uma corrente marxista, pois falava o tempo todo da necessidade de manter o foco na práxis, da teoria da mais-valia... Candidato chegando com o pé esquerdo, então...