PESSOAS INTERESSANTES

Talvez por estarem fragilizadas pelas mazelas, as pessoas dentro do hospital são solidárias e, quando têm oportunidade conversam como se fossem amigas de longas datas.

Fiz “amizade de infância” com todos os que estiveram por perto de mim, mesmo sabendo que não mais os encontrarei, e conversamos muito, com os profissionais envolvidos diretamente no tratamento ou não, com as freiras da ordem religiosa que administra o hospital, os companheiros da enfermaria, acompanhantes e com qualquer um que estivesse nos corredores onde somos estimulados a caminhar de duas em duas horas.

Pelo costume de acordar cedo e ter que ficar deitado esperando a visita do médico plantonista, os dias ficaram ainda maiores e eu tive a oportunidade de ler dois livros muito interessantes, os quais recomendo e citarei no final.

Ainda na UTI, ouvi-os sem ter tido a oportunidade de vê-los, dois pacientes que precisavam de atenção bem mais que os outros.

O senhor que estava ao meu lado direito, tinha setenta e muitos anos, cardiopata e tinha feito um edema pulmonar que evoluiu para infecção e, para não arrancar os drenos, tubo nasogastrico e máscara de oxigênio teve que ser amarrado. Uma vez contido, falava com dificuldade, pedindo aos profissionais para cortarem as ataduras. Em momentos de alucinação, talvez motivada pela febre alta, indicava a gaveta em que ele “sabia” haver uma tesoura para livrá-lo daquela prisão, falando bem alto a qualquer hora do dia ou da noite.

O da esquerda, safenado, com cinquenta e poucos anos desenvolveu um problema respiratório que, para comer normalmente teria que passar várias horas do dia com a máscara de oxigênio, mas ele dizia que incomodava, que sentia ardor nos olhos e a tirava. A enfermeira recolocava, ele tirava e ficavam nessa peleja o dia todo.

Deixei a UTI e não sei dizer o que aconteceu com os dois.

Um dos colegas de enfermaria estava internado havia 32 dias, recuperando-se e esperando vaga para fazer outro procedimento. Nas duas vezes em que esteve programado aconteceu uma emergência e ele teve que esperar, mas a freira “responsável por tudo,” no dia seguinte a minha chegada à enfermaria, decidiu que com ou sem vaga na UTI ele iria ser operado. E foi. E saiu do hospital, lépido e fagueiro, bem antes de mim.

Outro colega foi um ex-bancário, antigo dirigente sindical, com quem passei quase o dia todo conversando sobre as mazelas dos políticos (ptralhas ou não) internado para implantar um marca passo.

A intervenção aconteceu na manhã seguinte e ele saiu com pouco mais de 24 horas.

Ouvi a fala mansa, recheada de pausas e de palavras aglutinadas, de um mineiro, bom contador dos causos e das histórias da família constituída pelo trabalhador rural, pai dele e dos outros irmãos e da maneira como a mãe organizava as tarefas domésticas com os sete filhos homens, vez que somente a caçula nasceu mulher e era muito nova para assumir responsabilidades.

No trabalho diário, de escuro a escuro, por ser o mais velho, não teve tempo de ir para a escola, mas quando saiu da roça para constituir a própria família, fez questão de estudar no MOBRAL e fazer cursos profissionalizantes vez que os burros de carga, as capineiras e as tetas das vacas leiteiras tinham ficado no interior mineiro, bem distante da atual realidade onde se misturaram a construção civil e a mecânica de motos.

No dia 21 de junho, fui levado para o centro cirúrgico para nova angioplastia.

Depois de devidamente instalados todos os acessos e com as imagens projetadas na tela do monitor, (é muito legal ver nossos órgãos funcionando) o médico chegou à conclusão, e me mostrou, que não havia a necessidade de implantar novos stends, vez que o comprometimento do outro ramo coronariano havia regredido.

Sobraçando um pacote grande com radiografias, exames, laudos e remédios, na tarde do dia 23 eu voltei para casa e espero não precisar voltar porque, falando francamente, não gostei nem um pouco dessa brincadeira apelidada de infarto agudo do miocárdio.

OS LIVROS:

1- A CIDADE DO SOL, Khaled Hosseini. Editora Nova Fronteira, 2007 – Rio de Janeiro/BR.

2- LA INFANCIA DE JESÚS, J.M. Coetezee. Editora Mondador, 2013 – Buenos Aires/AR.

(Continuação de IAM e UTI)