PARA NÃO MORRER DE REALIDADE

Acima das copas das árvores, acima do sangue derramado e das ruínas, das crianças abandonadas, "precisamos da arte para não morrer de realidade", da música que continua sobre os escombros, da festa, do riso, do instante fugaz onde a alma se expande e supera a dor.

Ainda temos primavera a cumprir... enquanto o dia nascer e abrirmos os olhos de susto por ainda estarmos vivos... e com o passar desses anos, corpos mais envelhecidos, memória tão carregada de antigamentes, vamos percebendo que os nossos contornos se alargam e os braços e pernas já se misturam aos caminhos percorridos, já somos os nossos caminhos, e resta somente a percepção de que nada começa e nada acaba, coisa mais velha de se saber, e que pés mais inseguros e mãos trêmulas se diluem nas cores, nos sons, nas fendas de momentos e nós que conseguimos sobreviver a nossa juventude e aos nossos dramas surrados, agora podemos ouvir os pássaros com os ouvidos pousados nas árvores, com as mãos voando nas suas asas, com a calma de manhãs que sabemos definitivas.

Envio abraços de um inverno que precisa demais de uma nova primavera.... quiçá ela venha sem tanta tristeza... mas poeta é um fingidor não é? Que finge a dor que deveras sente? Somos feitos dessa dor ancestral que nos jogou no mundo, somos passageiros, somos matéria viajante deslizando na correnteza das lágrimas de toda humanidade.