As peripécias do Cosmo

Ou a Nasa passou a contar com uma excepcional assessoria de comunicação ou, realmente, têm acontecido mais descobertas espaciais de uns tempos para cá. É água líquida em Marte, é água congelada em Plutão, é estrutura alienígena ao redor de uma estrela, é planeta bastante parecido com a Terra – isso sem falar nos asteroides que, vez ou outra, passam tirando tinta da crosta terrestre. Há poucos dias um desses corpos celestes atingiu Júpiter, que chacoalhou bonito. E a gente ouve essas coisas todas com um misto de espanto e fascínio, imaginando que a qualquer momento podemos descobrir que não estamos sozinhos nessa viagem cósmica, e receando que os cientistas descubram tarde demais que estamos em rota de colisão.

Às notícias da Nasa, só se comparam as do Cern, o centro de pesquisa que vai ao cerne da física moderna. É de lá que vem a descoberta do Bóson de Higgs, que, honestamente, eu não entendi até hoje do que se trata, mas tem toda a pinta de ser algo espetacular. E recentemente eles descobriram o que pode ser uma partícula seis vezes maior que o Bóson de Higgs e, portanto, seis vezes mais espetacular. O negócio simplesmente não pode ser explicado por tudo que se conhece até hoje das leis da física. Tudo isso pode dar pistas de como o universo foi formado, e nós, que lemos essas novidades, só não nos congratulamos mais com os pesquisadores porque não fazemos a menor ideia do que seja um acelerador de partículas.

Na verdade, é assombroso, tudo é um grande e assombroso mistério, essa é a sensação que tenho ao olhar para o céu à noite. Bem que eu queria fazer parte desses grupos que pesquisam a origem de tudo, até para entender melhor o que se passa acima de mim, mas eu imagino que, no fundo, eles olhem para o universo com o mesmo ar embasbacado que eu em uma noite estrelada – com o mesmo olhar de criança curiosa ruminando o mistério da vida.

Lembro-me de um evento, o maior evento astronômico de que participei, um eclipse total do sol, daqueles que só acontecem numa mesma região a cada 360 anos. Eu tinha sete e, infelizmente, já estava racionalizado demais, de modo que sequer passou pela minha cabeça que aquilo poderia ser o fim do mundo, o que certamente deixaria a experiência ainda mais divertida. Havia medo, no entanto, havia o medo de ficar cego, se olhasse diretamente para o sol, e por isso nos armamos de filmes fotográficos e chapas de Raio X, como se isso adiantasse alguma coisa. Também enchemos de água uma bacia, na expectativa de ver ali o sol refletido, e se nós não ficamos mesmo cegos se deve a alguma forte conjunção astral.

O sol escureceu, virou noite durante alguns curtos minutos, durante os quais a gente não sabia muito bem o que fazer, não tínhamos experiência, era a primeira vez que o universo se comportava de maneira diferente do esperado. Depois a luz voltou, e com ela a necessidade de me arrumar para a escola. Continuamos a viver normalmente, como se então não estivéssemos mais sujeitos às peripécias do Cosmo. Nunca mais houve um eclipse como aquele, nunca mais haverá eclipse semelhante até 2354. Até lá, espero que já tenhamos dado um destino para esse monte de chapa de Raio X que se amontoa no armário de casa.

milkau
Enviado por milkau em 26/06/2016
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