Pormerones /cap V

A noite cai, o jantar fora excelente!

 Conheci alguns dos moradores, pessoas de bom caráter, trabalhadoras, honestas, migrantes de toda parte do Brasil, que como eu, estão ali, não pelo simples prazer de se aventurar à lugares diferentes, mas, pela falta de trabalho, pelo escasso de recursos que suas regiões oferecem.

 Alguns vieram de muito longe, como é o caso do Sr. Antônio, vigia noturno, saiu do Maranhão a nove meses e pensa em trazer a família para cá.

 Fala arrastado como ele só, deixou mulher e quatro filhos, sendo um ainda de colo, é comovente e notório sua emoção quando fala dos filhos.

 Francisco, trabalhador na construção civil, faz dois anos e meio que saiu de Três Lagoas, diz ele que está juntando dinheiro para comprar um pedacinho de terra para a construção de sua casa.

 Do jovem Augusto, 26 anos, moço novo ainda, deixou esposa e uma filhinha de três anos, também é do Maranhão, a família pensa em investir na criação de caprinos em Várzea Grande.

 Também, Hosni, 23 anos, mas este, é daqui mesmo, trabalha de garçom num renomado restaurante no centro.

 Como ele mesmo disse, preferiu sair de casa e enfrentar o mundo, do que ficar e seguir as duras regras do padrasto.

 É um cara gente boa, bem humorado, bom contador de piadas, arrancou boas gargalhadas durante o jantar, daria um excelente comediante.

 Cada um com sua história, com uma lição de vida, mas todos com um único objetivo, dar uma vida um pouco mais digna à suas famílias. 

 A chuva se fora, são quase 21:00hs, agora aqui estou, apoiado no parapeito de minha janela, servido de uma xícara de café, num emaranhado de pensamentos.

 Ao fundo, o som dos Engenheiros, que vem do walk-men jogado em cima da cama, envolvendo-me numa nostalgia agradável.

 Mas este, não é o único som que ouço, vozes e risos vem lá de baixo, todos estão alegres e felizes, pelo jeito, Hosni continua a entrete-los, é uma figura...

 Apreciar o dia, viver intensamente cada momento que é único e verdadeiro, não se prender tanto pelo que virá em seguida, ter paz e tranqüilidade para resolve-los, quando assim então vierem.

 Daqui a pouco será outro dia, correr atrás de trabalho, num sábado, acho que não, aliás, quem sabe se o que Hosni dissera durante o jantar, sobre o restaurante, não seja de fato, uma grande oportunidade de emprego. 

 Depois, tudo será consequente, economizar uns bons trocados, e, quem sabe, conseguir realizar a tão sonhada viagem de minha mãe, de poder voltar a sua terra natal, Vitória da Conquista, Bahia. 

 Mãe, vive contando histórias de como era maravilhoso e sonhador o lugar em que nascera, das vastas propriedades de terras que seus avós possuíam.

  Fala da saudade que sente das grandes festividades religiosas que aconteciam, como a festa da padroeira da cidade Nossa Senhora das Vitórias, uma das mais festejada.

 Mãe conta que um dia antes da festa da padroeira, seus avós a levavam de charrete para a cidade, compravam vestidos sapatinhos e o que mais precisasse para seguir a procissão em cortejo pela cidade.

 Emocionada pela lembrança, mãe fala das festas juninas, quando todas as comunidades se reuniam e festejavam noite a dentro em volta de uma imensa fogueira. 

 Até, dos novos vizinhos japoneses, que ali se mudaram, passando a frequentar e aprender seus costumes.

 De vez em quando, lá vinha ela dizendo frases completas em japonês... 

 Era muito engraçado e estranho tudo aquilo.  

 Também conta, de uma grande árvore em especial que havia na propriedade, com seus irmãos, costumavam brincar e subir nos galhos, e lá do alto, avistavam-se as fazendas vizinhas. 

 'Mãe, deveria ser muito peralta quando criança!'

 Com os olhos voltados para o presente momento e para esta vista privilegiada que tenho da minha janela, com tudo, Ana, dissera a verdade.

 Mesmo com a densa neblina que paira sobre a cidade, ainda assim, consigo visualizar a imponente Glicério.

 Com suas luzes de todas as cores, pessoas num frenesi com seus guarda-chuvas de cá pra lá, apressadas. 

 Os carros em movimento com seus faróis alto, daqui, quase não se vêem suas linhas de contorno, numa mistura de cores e tons, retratando uma composição de uma pintura abstrata. 

 E, há, ainda, as estrelas que lentamente surgem nos céus por entre as nuvens que vão se esvaindo, anunciando um amanhã límpido e ensolarado.

 08:00hs, o despertador toca, o corpo todo dói, estava desleixadamente jogado à cama.

 Pequenos feixes de luz adentram pelas frestas da perciana, definitivamente, não quero acordar...

 Virei-me para o lado com os olhos entre abertos, observando a parede à minha frente, mas, alguma coisa faltava alí, sim é isso, o quadro do 'Seventh Sun of a Seventh Sun', tinha sumido...

 De sobrepulo, arremeti da cama lavando as duas mãos à bater na parede e gritei... 

 -Mãeeeeeee, cadê o meu quadro do Ironnnnnnn??...

 Mãe, tinha horror a aquele quadro do 'Eddie', segurando um feto com as sete 'Bestas' ao fundo.

 - Qualquer dia, boto fogo nesse bicho fei! Dizia ela.

 Pronto, tirou meu sossego!

 Toda vez que chegava da rua, corria para ver se ele ainda estava lá, pendurado, de frente para minha cama. 

 Infelizmente, já tinha gritado, berrado, quando caí em si de onde eu realmente estava...

 - Caramba, não fiz isso!! Disse eu já entrando em pânico.

 Sem entender o que realmente estava acontecendo, de imediato,  quis saber se alguém ouvira os berros. 

 Botei rapidamente o short, abri a porta do quarto em silêncio caminhei na ponta dos pés em direção à escada, não adiantou,     Ana, já estava à meio caminho, paralisada, só a me olhar.

 - Tá tudo bem? Disse ela, com os olhos esbugalhados.

 - Oi...É...Tudo...

 - Vou...Tomar uma ducha!

 - Já tô descendo!! Disse eu gaguejando, mais que envergonhado.

 Ana não disse uma só palavra.

 Voltando para meu quarto, a impressão que tive, é que ela ainda ficou lá um bom tempo parada na escada. 

 Fechei a porta atrás de mim, tentei ouvir alguma coisa 'colando' o ouvido na porta, só deu para ouvir:

 - Meu Deus... 

 - Mais um maluco!

Que situação trágica! Pensei comigo.

Sentei na beira da cama e pensei numa solução que pudesse me livrar desta situação embaraçosa.

-Continua-