Pormerones /cap IV
Coloquei a mochila nas costas e segurei pela alça da pequena mala, esperando que o trem parasse por completo.
Segui abrindo passagem por entre as pessoas, que, de tão apressadas abarrotadas de bagagens, de sorriso farto estampado na face, como se vissem naquele trem, uma espécie de, 'Máquina do Tempo', que os levariam para um novo mundo de sonhos, de fantasia, de esperança em encontrar a felicidade.
Eu, sendo tipo assim, tão ilusoriamente sonhador quanto, dirigindo-me ao portão principal.
Passei direto pelo saguão e peguei a 13 de maio, principal rua do comércio campineiro.
O tempo estava totalmente encoberto e ventava muito, vinha uma grande tormenta por aí!
"Como estavam certos os senhores de chapéus de palha!!"
Apertei o passo e atravessei a 13 de maio virando à direita na Av. Francisco Glicério.
16:30hs, observando tudo ao redor, já fazia tanto tempo desde a última vez, não me recordava o quão fascinante esta cidade era.
Parei numa banca de revistas para comprar um jornal de classificados e pilhas para o walk-men, continuei a caminhar apressado, já estava ficando tarde e a qualquer momento a chuva viria.
No final da Glicério, depois de ter cruzado com a Av. Aquidaban, uma nova rua tem início, a Rua da Abolição.
Basicamente constituída por estabelecimentos comerciais como a 13 de maio, duas ruas e uma bela história de luta e sofrimento acerca da escravatura no Brasil.
Finalmente, estava próximo a meu destino final.
Parei em frente a uma grande casa de sobrado pintado em amarelo ocre com detalhes em branco.
Haviam janelas em madeira no andar de cima, e uma pequena cobertura de duas águas acima da entrada principal, construída com vigas de madeira e colunas gregas sustentando o telhado, o cercado de grade de ferro, pintado também na cor branca.
O tempo havia parado naquele lugar, até o desbotado de suas cores estava exatamente como era.
Abri o portão e toquei a campainha ao lado da porta, no exato momento em que desabou a cair toda aquela água.
Alguém grita lá de dentro:
- Entra, se não vai se molhar todo, a porta está aberta!!
Mais que obedecendo aquela voz, fui entrando e sendo recebido por uma jovem mulher que, à princípio, me lembrou alguém.
Segurava uma assadeira de bolo que parecia ter acabado de sair do forno.
Para quem passou, uma noite e quase um dia inteiro, a pão amanhecido de mortadela, salgadinhos e refrigerante quente, aquilo estava mesmo convidativo!
A jovem, deveria ter não mais que 25 ou 26 anos, alta e de olhos negros arredondados que mais pareciam duas jaboticabas de tão pretos que eram, pele bem tratada,de cabelos lisos amarrados feito coque.
Olhou-me nos olhos com um sorriso entre os lábios e disse:
- Olá, sou Ana muito prazer!
- Só um minutinho que vou por isto na cozinha.
Quando ela se ia com a forma de bolo nas mãos, coloquei a mochila no chão junto à mala e cordialmente me apresentando, completei.
- Por favor, Dna. Maria se encontra?
- Maria!! Exclamou perplexa a jovem
- Maria Elisa?
-Sim, é isto mesmo, Maria Elisa!
- Desculpe meu jeito, há tempos que ninguém procura por minha avó!
Tudo então ficou claro, sabia que a conhecia de algum lugar.
Ana, deveria ter seus 18 anos na época.
Que bela mulher se tornara!
Estava enganado, alguma coisa havia mudado afinal, ou, seriam meus olhos, diferentemente daquela época, que agora, viam o mundo por outra perspectiva!
- Você foi um hóspede dela? Interrogou Ana.
- Não, mas conhecia bem o lugar, a história é um pouco longa!
- Ela está?
- Infelizmente ela faleceu, tem alguns anos!
- Poxa que pena, eu sinto muito!
- Era uma excelente pessoa.
- Era sim, obrigado!
- Bom, depois que ela se foi, que Deus à tenha, passei a tomar conta da hospedaria, a vida continua, por mais duro que pareça!
Educadamente, convidou-me a sentar-se num sofá na sala.
- É muito bom receber conhecidos de minha avó, me traz boas lembranças.
- Fico felíz por isso, mas, não tanto pelo fato.
- Esperava encontra-la, com certeza, está num lugar melhor que este, sem dúvida!
- Claro que sim! Disse ela num tom melancólico.
-Pelo jeito, você não se lembrou de mim, não é mesmo?
- Para ser sincera, não!
- A verdade é que este lugar, era cheio de pessoas indo e vindo à todo tempo é difícil lembrar de alguém em especial.
- Não te julgo por isso, já se passaram quase sete anos, desde então!
Lá fora a chuva caía sem parar, e eu, no meio daquela conversa com o pensamento longe, preocupado se haveria vaga disponível, entretanto, estava calmo o lugar, talvez tivesse sorte, talvez...
Interrompendo meus pensamentos, Ana, se levantou de onde estava, e caminhando até a cozinha disse:
- Áh, que distração a minha, acabei de assar um bolo, você aceita um pedaço?
Não deu tempo de recusar, o bolo, já estava em minhas mãos, acompanhado de uma xícara de chá.
Agradeci a gentileza e Ana continuou:
- Você está chegando de viagem ou está indo?
- Cheguei à pouco, vim direto para cá!
- Bom, se caso não tiver lugar pra ficar, temos quartos desocupado!
Aquilo soou como música para meus ouvidos, afinal, ficar num lugar conhecido, era de extrema importância, cidades grandes como Campinas, é necessário um pouco mais de cuidado.
- Tenho certeza de que minha avó, ficaria muito feliz de ter você conosco!
- Você é muito gentil, confesso que este, foi o outro motivo que me trouxe aqui!
Terminado de apreciar aquela iguaria tão deliciosamente, conversamos um pouco mais sobre Maria Elisa, as pessoas que alí se hospedam e é claro de como andava o comércio local, precisava me interar do assunto sem perda de tempo.
-Então está feito!
-Venha, você vai ficar no andar de cima, lá é bem mais tranquilo e mais tarde quem sabe, você possa nos entreter com a sua 'história', que tal?
- É justo!!
Com a bagagem nas mãos, acompanhei Ana por uma escada que leva ao primeiro andar.
-Cuidado com os degraus!
-Não sei como minha avó aguentava subir essas escadas todo santo dia!
- Prontinho, aqui está!
- O quarto é modesto, mas amplo e arejado, o melhor é sua vista panorâmica da cidade, claro que, quando não há dias de chuva como este!!
- Está perfeito!
Colocando a bagajem sob a cama, virei-me para Ana que já estava na porta e disse:
- E quanto ao...
Mal comecei a frase, Ana interrompeu:
- Não se preocupe, depois acertaremos os detalhes!
- E se precisar de algo é só chamar, ok.
-Tudo bem, e mais uma vez, obrigado!!
Desfazendo as malas, pensando em como, Ana, era tão parecida com Dna. Maria Elisa, que sempre fora gentil e tão prestativa com as pessoas, o mundo é assim, cheio de surpresas boas e ruins, encontros e desencontros, mas tudo dera certo afinal!