QUANDO MINHA AVÓ TIRAVA A ROUPA
Gostava de ver minha avó tirando a roupa. Primeiro, a velha tirava o vestido longo de bolinhas, a anágua, depois, vagarosamente, as roupas íntimas, as meias, as toalhas de banho e os panos de louça, até o varal ficar vazio. (Te peguei, hein?) Após isso, estendia na grama um saco de aniagem e o enchia de grãos de trigo para secar. O trigo era para fazer quibes. Minha avó fazia quibes deliciosos, macios, não os quibes secos de lanchonete. Mas, que azar, eram para os fregueses; mesmo assim eu não saía de lá sem surrupiar um ou dois.
Sua casa era modesta, feita de pedras; a “casinha” (que hoje é conhecida como toalete) era do lado de fora, à beira do mar. Assim, não era necessário utilizar descarga d´água, a maré absorvia tudo, se é que me entendem.
Quando alguma menina ia usar a casinha, a gente esperava alguns minutos, depois alguém gritava: “olha o rato! Que rato enorme!” A guria dava um pulo, abria a porta e saía apavorada (Onde? Onde?), sem lembrar de baixar o vestido e colocar as calcinhas. Que festa!
Naquele tempo, duas coisas eram sagradas, além da matinê dos domingos para acompanhar o seriado: a troca de gibis e os banhos de mar. Eu já morava à beira-mar, quase que dava de mergulhar da janela. Nas férias de verão, a gente só esperava fazer a digestão do almoço (meu pai dizia que não se podia nadar de barriga cheia), e splash! estava na água. No verão, o mar era nossa segunda casa. Quando chovia forte, então, era melhor ainda; nada como correr pela rampa e se jogar de ponta-cabeça, debaixo da chuva.
Já os gibis, não sei onde se arranjavam tantos, pois ninguém os comprava, somente trocava. Era um mistério. Com os braços carregados de revistas, a gente deitava de bruços na cama e passava a tarde lendo. E, olhem só, ninguém virou marginal.
Revistas que hoje são raríssimas para colecionadores rolavam de mão em mão. Na casa de minha vó, faziam a função do papel higiênico. Era assim: Capitão Marvel, zapt!, Hopalong Cassidy, zupt!, Durango Kid, scrach!
Era um bom tempo; diariamente deitado no gramado, vendo minha avó tirar a roupa.