CANSAÇO NOSSO DE CADA DIA
Estávamos numa aula na UFSM, em pleno mormaço do mês de dezembro em Santa Maria, quem conhece a cidade sabe do que estou falando.
A temperatura beirava os 40º brincando, sexta feira, próximo das 18hs. Recuperávamos aula após longo período de greve dos professores. Final de semestre. Todos cansados. Cansados não - extremamente cansados.
Um colega de turma, não lembro seu nome, levanta-se e pergunta respeitoso ao professor, naquela época professor ainda era respeitado, pergunta da possibilidade de encerrar a aula por ali mesmo e liberar-nos para irmos embora. Motivo: Todos estávamos exaustos, a semana havia sido puxada, provas e mais provas, trabalhos e mais trabalhos, o calorão não dava tréguas. Sexta feira. Motivos bons não faltavam.
O professor olha para ele, com olhar de professor que é respeitado, e responde:
- Vocês estão cansados? Estão cansados! Escutem o que vou lhes dizer:
Daqui pra frente aprendam a viverem cansados, acabou a infância, acabou a boa vida, aprendam a viverem cansados.
Esqueci o nome do professor, mas nunca esqueci suas palavras.
A pressa do dia a dia tornou-nos indivíduos com cansaço permanente, todos somos portadores de cansaço crônico. Somos o moderno homo sapiens cansatus.
Acordamos cansados, iniciamos a semana cansados, voltamos de nossas férias cansados. Sabem por quê? As fontes do cansaço nos acompanham sempre, dia e noite, sete dias por semana. Estão como que aderidos aos nossos genes.
Nunca desligamos. Aprendemos a viver como se o mundo estivesse sempre pronto a nos dar uma rasteira. Nem sempre ele quer nos derrubar.
Sempre em prontidão, somos os novos suricatos do Kalahari vivendo nas cidades. Sempre a espreita do inimigo, vigiando ao redor, prontos para atacar ou bater em retirada quando a ameaça se tornar realidade, seja ele real ou imaginária, próximo ou distante. Se alguém buzina na rua já nos preparamos para o ataque.
Superdimensionamos nossos problemas, que sempre serão maiores que os dos outros, e passamos a vida tentando resolve-los, e neste intento criando outros novos e maiores.
Na década de 50 previsões afirmavam que no ano 2000 o homem trabalharia no máximo seis horas por dia porque muitas das atividades seriam executadas por maquinas que fariam o trabalho para nós.
Ledo engano, o futuro chegou e com ele o cansaço. Trouxe-nos uma carga de atividades nunca antes vista em toda a história humana.
Antigamente a vida era mais simples, menos opções, menos decisões a tomar. O futuro era semelhante para todos.
Talvez nosso erro seja esperar muito da vida, achar que merecemos sempre mais do que aquilo que já temos, e se não temos, desesperadamente saímos em busca , esperando coisas que ela não vai nos oferecer. Nos decepcionamos.
Como o cão que com um grande pedaço de carne na boca vê seu reflexo na água, tenta pega-lo para ficar com os dois e acaba sem nenhum.
O Homem vive na terra a mais de 10 mil anos.
Neste planeta hostil aprendemos a sobreviver frente a todo tipo de intempéries e perigos da vida selvagem, adaptamo-nos as mais adversas situações, em meio a tragédias, catástrofes e flagelos, crescemos e nos multiplicamos, enfim triunfamos. O homem é um exemplo de sucesso em adaptação.
Resta-nos agora aprender algo mais importante e fundamental para nossa própria sobrevivência: Viver, não mais sobreviver, mas viver, aproveitar o que de bom a própria vida pode nos oferecer.
Temos que reaprender a viver