Pormerones /cap III
Havia chego na estação da pequena cidade de Iacrí, que fica menos de 10 km de minha cidade, por volta das 21:15hs.
O trem que vinha de Panorama, estava previsto para chegar as 22:00hs, como mesmo marcava no bilhete.
Após passar para área de embarque, acomodei-me num banco junto à bagagem, uma pequena mala e uma mochila que acabara de comprar para esta ocasião.
'É de se admirar como cabem coisas numa dessas!'
Estava uma noite perfeitamente clara pelo brilho do luar, iluminando, onde as luzes daquela estação não alcançavam e um leve frescor de brisa, soprava o vento que vinha do sul, motivo esse, que rendia sugestivas previsões meteorológica entre os senhores de mais idade que alí se encontravam.
Com seus chapéus de palha e de guarda-chuvas de pendurado nos braços, afirmavam:
- Vem uma grande tormenta por aí!!!
Eu, tão jovem e inexperiente, espiei os céus, nem se quer uma nuvensinha, que dirá uma tormenta! Conclui ingênuamente.
As horas foram se passando, quando não, uma voz suave emitiu-se do alto-falante informando que o trem com destino a Estação da Luz, São Paulo, chegaria com atraso.
Não dei tanta importância ao aviso naquele momento, meu entusiasmo em euforia, por via daquela viagem.
E como eu estava feliz!
Com o bilhete nas mãos, parecia um menino que acabara de ganhar um passaporte para o Playcenter.
Colocando o bilhete, 'premiado', num dos bolsos da pequena mala, ansioso, esperei pelo grande trem de ferro, que condizente aquele aviso, se apontou no horizonte duas horas mais tarde.
...O homem de azul, prostrou-se diante da poltrona, em que eu, ainda estava a procurar pelo bilhete...
-Sua passagem por favor! Exclamou num tom áspero de semblante carrancudo.
Parecia estar com alguma cólera ou seu dia não estava dos melhores. Pensei cá comigo, enquanto travava uma batalha com a própria bagagem à procura do maldito pedaço de papel.
Finalmente, estendi-lhe o braço entregando o tal bilhete que estava num dos bolsos da pequena mala já quase toda vazia.
-Há, algum problema senhor!! Disse-lhe alçando as sobrancelhas.
Mãe, sempre dizia:
"Nunca discuta ou seja mal educado com os mais velhos, mesmo que estes, favoreçam tal atitude".
Neste caso, estava difícil!!
Arrancou o bilhete de minhas mãos, pressionou aquele picotador contra fazendo dois grandes furos na extremidade, o devolveu, e disse num tom mais elevado.
-Não, não com o senhor!!
-Mas, tem uns espertinhos aí achando que vão me 'passar a perna', não vão mesmo, não no meu turno, é lamentável!!
Nisso, levantou-se um sinhorzinho que estava numa poltrona logo atrás e disse:
-Escute aqui meu amigo, lamentável é o fato dessa sua atitude em tratar as pessoas de maneira grosseira, afinal, nem todos que viajam neste trem pensam em lhe passar a perna, não é verdade!!
Meio sem jeito e com receio daquela conversa tomar um rumo ainda mais desagradável e talvez cometido por uma sã consciência, o homem de azul esboçou um sorriso apatico como querendo se retratar por seus péssimos modos.
Mais tarde explicou-me aquele mesmo senhor, porque o chef estava tão ressabiado.
Era muito comum entre os mais jovens, e é correto que se diga, de alguns 'marmanjos', quando viajavam de trem.
Embarcavam numa certa estação, e dizerem ter embarcado noutra, ou, compravam passagem para certa cidade e desembarcavam mais além, as vezes, com o trem lotado dificultando o trabalho dos chefes, nem compravam passagem alguma.
Isto, fazia com que os chefes ferroviários ficassem mau humorados.
O trem novamente apitou por duas vezes seguidas, avisando sua chegada na próxima estação.
Era uma primavera tão diferente das outras, tirando o mau estar do homem de azul, tudo estava tão mágico e perfeito naquele dia.
Pela janela, avistei a grande locomotiva vermelha que naquele momento faziam os trilhos, uma curva acentuada e bem inclinada, parecia que o trem iria tombar para o lado.
Uma impressão horrível, diga-se de passagem!
Nos campos verdejantes que pareciam nos acompanhar, flores de todos os tipos, aqui e alí, bailando ao vento exibindo suas cores de tons infinitos.
Ao longe, a exuberância das cores alegres dava lugar para o ton sombrio do cinza escuro encobrindo toda aquela cidade.
Um sentimento arrebatador pousou em meu peito, era a saudade lembrando-me daquela que sempre fora minha fortaleza meu refúgio.
Leonor Rosa ficara para trás, levo comigo seu abraço apertado e o beijo no rosto da despedida, este momento tão fraterno, ficará em minha memória.
Agora, deve estar cuidando dos afazeres da casa. Pensei nostálgico.
Fecho os meus olhos e à vejo num instante...
Com seu vestido florido e de óculos bifocais, no momento, está sentada em frente a sua inseparável, 'Vigorelli', noutro, lendo algum salmo da bíblia para uma visita que acabara por chegar.
Como é católica essa mulher!!
Acordada logo bem cedo, antes de mais nada, se reza o terço, só então que se ía para os deveres da casa.
A noite, lá estava ela, sentada à beira cama de bíblia nas mãos.
De tudo que mais gosto nela?
É difícil dizer, me libera a endorfina, morfina de prazer que sinto só de estar a seu lado, mas, tem um lado que gosto muito, é desse seu bom humor em contar histórias, causos, anedotas...
Dna. Leonor era ótima em contar anedotas, tudo bem que eu não entendia nada, mas, só o fato de contar e a maneira de como contava, eu rachava em gargalhadas.
Ela nem começava, e eu já estava me contorcendo todo de tanto rir!
"Um momento simplesmente perfeito.''
Mas agora, tão longe de casa, sem aquele barulho da máquina de costura, sem ouvir por mais de uma vez ao dia, o salmo 91.
Sem as lágrimas escorrendo dos olhos só por ouvi-la contar de uma piada qualquer, sem a alegria de ve-la vibrando e torcendo pelos mocinhos das novelas preferidas...
Não, não posso esmurecer, serei forte para seguir este novo caminho, além do mais, não fora de sua própria e inteira vontade, mandar um filho à esmo.
-Contunue-