Assim ou ...nem tanto 51
A Aranha
Antes que as lágrimas me toldassem a visão vi-a, mínima, ligeira. Parou quando se sentiu observada mas continuou lesta a sua teia na confluência das duas paredes do corredor, um palmo antes da porta. Talvez demorasse a ser notada, expulsa, morta. Era, como disse, mínima e tudo o que se não vê ao primeiro olhar raramente existe para gente distraída, pensei. Entretanto, prometi, iria descobrir um outro lugar seguro com vistas para a claridade intermitente, com comida mais fácil, algo, enfim, que fosse uma espécie de SPA para aranhas exigentes. Sorri-lhe. Pareceu-me ver um cumprimento no bicho que deixei entregue à sua luta pela vida. Voltava às lágrimas. Chorar nunca me resolveu qualquer problema mas deixa-me muito mais tranquilo e com o pesar mais leve. Podemos fazer tudo para ser amados por quem amamos mas não podemos obrigar ninguém a apreciar o bonito que somos à meia-luz, antes de entrar no duche, depois de tocar atrás da orelha com um perfume suave. Há leis, disse-me, e as minhas não me deixam perder tempo contigo. Nunca valeria a pena. És um fraco, dentro desse corpo forte. Eu amo o poder e a força e tu não tens nada que se pareça. Gosto que me obriguem, que não me deixem fazer tudo, que me batam se insistir em ser desagradável. Sou assim, desanda e não me chames nunca mais. Finge que não existo ou que morri. E saiu. Desta vez seria a derradeira. Ao entrar vi a aranha. Tudo me serve para distrair da dor o meu coração e a conversa entre mim e o bicho, entre a minha decepção e o resto do dia, haveria de passar pela vida de um ser pequenino, frágil, que importava proteger de uma Tina diligente que, em relação a aranhas, tem um sentimento que mistura asco e medo. Consegui levar a aranha para o atelier e fazê-la ver as vantagens do novo local. - Aqui estás a salvo a menos que fiques gigante, venenosa, rica de teia e perversidade. Se isso acontecer mudo-te para o lado de fora que é agradável também mas onde nunca poderei livrar-te das osgas ou dos pardais.