Para você que se aposentou há pouco tempo
Se me perguntarem em que eu sou especialista, vou dizer, meio envergonhado, que sou experiente e mestre na arte do ócio, que é o estado permanente de descanso, ou seja, vadiação em tempo integral. Na verdade, me aposentei com 45 anos, por ter trabalhado a vida toda em serviço insalubre. Hoje estou com sessenta, então imagine quinze anos sem compromisso com horário, numa inatividade criadora que me rendeu oito livros e muitas outras ações prazerosas.
No Supremo Tribunal de minha consciência, não fui achado em pecado de preguiça. Só faço, entretanto, o que me satisfaz, na hora em que me apraz e com a metodologia que me agrada. Acordo de madrugada para escrever e ler ou realizar alguma tarefa marcada na minha agenda super móvel. Pense numa agenda maleável!
Amiga minha cumpriu o seu ciclo laboral e se aposentou. Inicia-se uma nova fase de sua vida. Está ainda meio que desnorteada pela quebra da rotina. Não sabe o que fazer do seu tempo, agora realmente propriedade dela. Deixou de vender sua força de trabalho e seu tempo, o que temos de mais precioso, que passa agora a ser unicamente ferramenta do seu prazer pessoal, ou assistente de suas debilidades psicológicas. O cineasta Fernando Pereira acredita que “quando alguém tem tempo demais, não está sadio. O normal é sempre ter tempo de menos”. Acho que se deve compreender também como tempo usado, aqueles momentos em que ficamos deitados na rede, pensando, sonhando, ou simplesmente descansando. Lição essencial para quem está entrando na vida do ócio: nada de ter aquela angústia de fazer, porque a questão é de paladar. Se você não está com apetite de comer a vida, não consuma seus períodos em tarefas que, naquele momento, não está disposta a realizar. Deixe aquela fatia de lazer na geladeira, para quando tiver fome. Nada de precipitação, que a folga é a perder de vista mesmo! A vadiagem está apenas começando.
Um colega de trabalho passou 30 anos cavando buracos no chão duro para enterrar dormentes e alinhar trilhos ferroviários. Empreitada cansativa e estressante. No dia após a aposentadoria ele voltou ao trabalho, às cinco horas da manhã, como fazia todos os dias. Para os colegas, explicou: “Não tenho nada o que fazer em casa, vim trabalhar.” Viciado na rotina de trabalho, o rapaz não soube experimentar o ócio construtivo. Aí é da formação e da predisposição de cada um. Há aqueles que passam a desenvolver habilidades que o trabalho não permitia. Outros renovam ou criam relações sociais, antes impossíveis pela ocupação. Na aposentadoria, a gente passa a se reconstruir no sentido humano, regenera as forças e abastece aquilo que chamam de princípio vital.
“Nada é completamente bom, nada é completamente mau”, diz a fraseologia do óbvio ululante de que falou o mestre Nelson Rodrigues. É comum a gente encontrar aposentados jogando dama na praça com os coleguinhas da “melhor idade”, com sintomas de depressão. Claro que são circunstâncias particulares, mas, em muitos casos, a aposentadoria pode até matar. Pesquisa do site da BBC de Londres conclui que, em média, os aposentados sofreram alguma doença no período de seis anos após a aposentadoria. Hipertensão, doença do coração, enfarte e artrite são comuns. Depressão também. Eu, pessoalmente, acho esses estudos um despropósito. Claro que as pessoas tendem a ficar doentes com o passar do tempo. Essencial para nós, aposentados, é manter o estímulo mental e social trazido por um trabalho que seja prazeroso. Importante manter a interação social. Nada de se isolar.
A sociedade olha de esguelha o idoso em geral, o aposentado, aquele que não está mais compondo a força de trabalho. No fundo, é preconceito. Implicam conosco porque somos “livres”. O homem nasceu para ser livre. É a lógica da vida, e tudo o que é lógico não se encaixa na realidade burocrática e capitalista. Mande às favas essas rejeições e vá curtir a “melhor idade” com força e com vontade. Mereça o regalo que o acaso lhe oferta.