CARTA DE MESSIÂNIDAS AO PROFETA.
Ao senhor deste indigno. A voz do deserto em sua alvíssara apical.
Profeta dos mundos; Zoroastro.
[…]
“Eu, em minha humilíssima posição de servo e aprendiz de vossos ensinamentos. Tenho por necessidade, e convicção, a ousadia de vos apresentar, sabendo de vossa tamanha aptidão e sapiência, um contradito que a muito me desdenha o juízo.
Muito antes, isto é, antes mesmo, de conceber o tempo que se passava.
Servia eu, aos imperadores Medas, e como um mero lacaio, caminhava por entre os desfiladeiros nas terras de Golã; carregando comigo, os óleos e tâmaras para meus senhores.
Durante um destes percursos, cruzo com um destes ascetas moribundos que se perdem dentre os tempos e delírios. O tal, pede-me esmolas, e ri-se ensandecidamente quando lhe ofereço uma tâmara. Farta-se de gargalhar, e por fim, se apresenta:
"Sou Serdemos de Sardis; o constrito, e rio-me de tua falácia!”
Fiquei deveras inquietado, como alguém que se dizia, saudar os deuses, poderia ser tão atrevido?
E continuou…
“Sabes tu muito bem, que se te peço esmola, não quero tua comida ou teu ouro, quero a única coisa que podes tu me oferecer! Isto é, tua profecia!”
Recuei atônito. Como pode um sujeito deste, pedir tamanho sortilégio para um lacaio ignorante? E me fiz embrutecido, resmunguei impropérios e pus-me a andar. Seguiu-me. Continuei a passos largos, mas ele não me deixava, então gritei: “Não te devo palavras algumas falso sábio, és tu muito mais experiente que eu!”
Ele então parou, e gritou:
“Então me digas tu, como tantos vivem vidas inteiras, as mais diferentes experiencias e desventuras possíveis, e nenhum destes se gaba de obter iluminada recompensa?”
Parei na mesma hora, havia conseguido me paralisar. Perdi-me uns instantes naquela parábola. Não havia resposta.
“E saiba mais! Tenho andando por toda a terra, e dizem que vive no deserto um homem com mais sabedoria que todos os anciões já caducos.
Eu mesmo vi! Prega para as pedras! Pois diz que homem algum poderia ouvi-lo. Eu mesmo não pude compreender.”
Voltei atrás e olhei fundo a figura do velho:
“O que insinuas velho tolo? Queres que eu acredite, que um homem, em sua tenra idade, pode ter mais filosofia, que qualquer escriba ou erudito?”
Virou as costas, e foi-se embora.
[…]
Eis que volto a tratar-lhe caro mestre, eu que tantas vezes atraiçoei aquele homem, por fazer-me de tolo. Aquele velho louco! Quem me diria, que depois de tantos anos, haveria de conhecer tal homem. E ajoelhar-me diante de sua alvura. Eras tu, meu mestre, que pregavas dante as pedras. Era eu um tolo.
Não poderia deixar de lembrar daquele colóquio. E por meio desta, entrego-te minha senda, para nobre testemunho de teus ensinamentos e por fim responder-lhe:
“A experiência ensina, mas somente a sabedoria transforma. Há homens que muito aprenderam, e nada transformaram. Mas há outros, que desde sempre se transformam, antes mesmo de o aprender.”
Amabilissimamente, Messiânidas de Ecbátana.
Entregue a Zoroastro dois anos depois.
[na época com 43 anos]
Hernâni Arriscado - Carta de Messiânidas ao Profeta.