Guaranésia, cidade mágica.

Morávamos em Ribeirão Preto, e sempre nas férias escolares do ginasial íamos passar férias de julho ou dezembro em Guaranésia, que ficava no sul de Minas Gerais, quase divisa com Mococa, última cidade paulista antes de se adentrar em território mineiro. Os ônibus eram da Viação Euclides da Cunha, que fazia a linha Ribeirão Preto a Mococa, passando por Porto Ferreira, e Casa Branca. Em Mococa trocávamos de ônibus para os da Viação Nasser, que enfrentavam estrada de terra até o destino final: Guaxupé. Na estação chuvosa era comum os ônibus encravarem na estrada sinuosa e mal conservada de Guaxupé e todas as outras da região. Os motoristas da Nasser eram sim considerados heróis, pois nunca deixamos de chegar ao destino!

Passava na época o final da adolescência, ainda cheio de sonhos, como namoradas e o futuro acadêmico, que parecia não tão difícil como hoje. Em Ribeirão, tínhamos amigos, mas o pessoal era mais sisudo, fechado, característica de cidade grande. Nossa atividade era ir para o ginásio, o famoso estadão, ou Instituto de Educação Otoniel Mota. O pai que primava pela educação dos filhos, tirou-me do Colégio Marista e colocou-me no colégio do Estado, que indubitavelmente era mais técnico com corpo docente muito reconhecido pela sociedade local. Além disso tínhamos aulas de piano e inglês duas vezes por semana. Com tudo isso ficávamos eufóricos com a proximidade das férias escolares: era o descanso dos guerreiros! Afinal o programa meu e de minhas 3 irmãs era um só: ir para Guaranésia, a cidade dos meus avós, que parecia mágica! Explico: belas meninas que eram bem mais sociais que o pessoal de Ribeirão Preto, pois eram espontâneas, sem restrição a qualquer conversa em razão da falta de malícia; o sossego longe da cidade grande, casarões antigos; a praça dupla, onde rapazes circulavam num sentido e as moças em outro sentido até o horário do cinema; os trens da Mogiana (falaremos disso em outro tópico) , que a cidade inteira ouvia o apito dos dois noturnos que passavam às 2h00(para Campinas) e 5h00 (para Passos) da manhã, que não acordavam o povo, mas apenas despertava os mais insones; o clube onde eram realizados bailes, e para nós o melhor carnaval do mundo; o passeio de carro (sim era um Volkswagem fusca do tio Vasco, que lotava o carro) na estrada de Pratinha(claro era de terra), passando por belíssimas paisagens, e muitas outras coisas. como a casa mal assombrada (dita pela população local, pois era um grande sobrado abandonado no meio da paisagem bucólica) entre muitas outras coisas.

A televisão praticamente não existia, pois era restrita a apenas cinco moradores, que tinham aquela enorme antena com 10 metros de altura, sendo dupla parabólica, pegando chuviscos e chiadeira no som. Na verdade víamos apenas imagens borradas e som quase inaudível. Mas uma coisa era certa: ninguém perdia o programa da Jovem Guarda, comandado por Roberto Carlos pelo Canal 7. O nome das meninas (sim, me lembro) era Maria Helena, Maria José, Maria Amélia, Maria Teresa, Maria Marta, etc... Algumas poucas não tinham o Maria no nome, como Katia e Bárbara.

O cinema era obrigatório nos fins de semana. A cada dia mudava-se o cartaz. A frequência era alta, já que não tinha a televisão como concorrente. A programação de todo o mês era exibida em pequeno folder fixado por dentro de uma das portas de vidro. O antigo cinema tinha fechado dando lugar ao moderno Cine São José. Mas era raro uma sessão chegar ao fim sem algum imprevisto: ou a sessão era interrompida pela fita já desgastada, onde o operador tinha que parar a projeção, fazer outro corte, e a devida colagem; ou era interrupção de energia elétrica, muito constante na época, principalmente quando chovia. Bem eficiente era a luz de emergência que era projetava na tela, formando uma iluminação tênue!

Pelas 19h00 a praça dupla principal da cidade já estava lotada. Rapazes andavam num sentido do quarteirão da praça de cima e as meninas no sentido contrário. Era rápido ver novamente a garota que eventualmente paquerávamos apenas com os olhos. E dez minutos antes das 20h00, horário da sessão diária única do cinema, todos desciam para a sessão, independentemente se o filme era famoso ou não. Lembro-me que superlotava o cinema quando eram exibidos filmes de terror... e filmes do Mazzaropi (que muitas vezes tinha sessão extra às 18h00 antes da sessão principal).

A matiné somente existia aos domingos, e o folder com a programação mensal dos filmes exibia apenas os dizeres: "um filme de ação e seriado"!! Dizeres que ficaram na memória e jamais foram esquecidos!

A bela estação ferroviária, com arquitetura inglesa de tijolinho à vista era bem confortável, com até a "sala para senhoras". Existiam 3 desvios na época e um desvio morto para atendimento a indústria de macarrão local, onde eventualmente eram deixados vagões de carga. No horário dos trens expressos, que faziam a linha Campinas-Passos a estação lotava! O trem era concorrente direto dos ônibus que já começavam a ameaçar o transporte ferroviário. Mas na região, as estradas de terra, mal conservadas e que muitas vezes na estação chuvosa ficavam intransitáveis, tornava a situação favorável aos trens. Tanto é que a linha do Ramal de Passos transportava mais passageiros que a linha tronco da Mogiana, que ia de Campinas a Araguari, no triângulo! Ao apitar o trem expresso na passagem de nível da fábrica, por volta das 15h30 os taxis da cidade (antigos carrões importados) rumavam para a estação ferroviária, que ficava no alto de uma colina, parecendo que estavam apostando corrida!

O clube promovia bailes ao longo do ano. O carnaval era muito concorrido e vinha muita gente de outras cidades. As meninas faziam o cabelo na cabelereira única ao lado da casa da vó Hilda, e vô Franklin. O clube ficava a dois quarteirões da casa. À noite, como não participava dos bailes, somente ouvia as músicas direto do clube. Uma das mais belas tocadas, lembro-me bem era "As Pastorinhas", quando as marchas de carnaval paravam para ser tocada pela banda esta belíssima música lenta. Da cama quase dormindo imaginava que os casais paravam de pular repentinamente, para dançarem bem juntos a belíssima canção de João de Barro, que incluía versos como: "A Estrela D`Alva/No Céu Desponta/E a Lua Desponta/ Com Tamanho Esplendor"...

Recordar é viver. Até hoje Guaranésia não me sai da lembrança. As férias eram muito prazerosas. Os amigos que lá tínhamos... A cidade parecia um presépio. Era uma cidade mágica !!!

Ivan Tavela
Enviado por Ivan Tavela em 19/06/2016
Reeditado em 24/06/2016
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