NO INFERNO NÃO TEM PUXADINHO

No inferno não tem puxadinho. Eu precisava dizer isso antes de qualquer outra coisa, porque o inferno não é uma idealização. O inferno é.

Chega de ficarmos construindo imagens fantasiosas daquilo que queremos temer. A criancinha medrosa, no quarto escuro, começa a construir o seu fantasma: orelhas enormes, dentes de vampiro, uma boca maior do que o mundo e olhos faiscantes. Quando a figura se completa, vem o choro, vem o desespero...

No inferno é tudo muito funcional e nada está ali por acaso, inclusive as pessoas. Não existe decoração. Lá eles não fazem nada de coração, mas, simplesmente, Satanás é rigoroso e exige resultados.

A galera que trabalha no inferno é focada. Um tridente não é mais utilizado quando se percebe que o indivíduo adquiriu resistência física. Nesse caso, apela-se logo para as fontes sulfurosas, ou para um daqueles enormes fornos de micro-ondas. Atente-se, porém, para o seguinte: NO INFERNO NÃO SE MORRE! — essa é uma frase que está gravada em uma pedra de mármore azul celeste, não me perguntem por que a cor — que está afixada logo acima da porta da entrada principal, e é interpretada mais ou menos como uma espécie de missão. Ali, portanto, a crueldade tem de ser praticada de forma precisa e eterna. Se um funcionário exagera na dose de castigo e o hóspede acaba morrendo, a equipe que estava de plantão fica presa por sete dias em uma sala toda branca comendo peixe sem sal e ouvindo música gospel. Não tem diabo que aguente isso.

Masé Quadros
Enviado por Masé Quadros em 19/06/2016
Código do texto: T5671620
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