Assim ou ... nem tanto 50

Romaria

Dançara até que, de meias destroçadas, as areias começaram a fazer estrago na pele tenra dos pés. Ninguém baila de tairocas e ela queria mais era sentir-se livre, naquele final de tarde. A festa era em honra do Santo mas a avaliar pelo cenho carregado, pelos olhos distantes, tanto se lhe dava que o homenageassem como não. No mais o povo queria era festa, petiscos, ficar sob as bandeirolas daquela alegria quase obrigatória. Depois da procissão pararam a imagem no alpendre como que para por cobro a desmandos. Pudesse ele ver o baile e o empanturramento de febras e biscoitos caseiros, de algodão doce cor-de-rosa e azul, e estou certa que haveria de balançar a cabeçorra calva para um e outro lado. Mas não. Estava teso a olhar para ontem e isso não travava nada, pensou a moça com suas rendas de bilros.

Marília dançava longe da tia e da avó. Era bom ser apertada pelo Augusto quando a moda era lenta ou ficar a olhar bem no fundo dos seus olhos todo o tipo de promessas para quando descesse a noite e mais ninguém os visse. E bailava. Meneava ancas e coxas, sentia o galope dos seios no aperto do decote, a trança já meia desfeita e o rubor a fazer o suor cair pela face, contornar os beiços grossos, correr para o pó daquela eira que o Regedor não pudera ainda asfaltar. O que importava, disse o senhor Prior, era a fidelidade ao santo casamenteiro, ao Fernando de Bulhões, aquele que, dissera na prédica, andava com o Menino Jesus ao colo. Agora não vinha ao caso mas de Fernando a António a distância nem tanta era e, depois, queria lá saber do santo, do Regedor e do padre, da terra pedregosa da eira, dos rebuçados a saber a banha de porco se sentia as velhas à sua procura e ela queria mais que palavras do Augusto afogueado, fiel e ávido que ali estava se a noite já chegara e a luz era pouca?

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 15/06/2016
Reeditado em 15/06/2016
Código do texto: T5668123
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