Sobre a idiotice da objetividade
Um de meus autores favoritos é o pernambucano, radicado no Rio de Janeiro, Nelson Rodrigues. É um fascínio que, confesso, não vem de longa data. São pouco mais de sete anos lendo suas obras, sendo que os últimos quatro foram de leituras com maior afinco (muitas delas inspiradas pela minha esposa, outra grande admiradora do gênio).
O lirismo e a poesia de seus textos e obras – teatro ou não -, são um reflexo do seu ambiente, profissional e familiar. Ora, ser filho de Mário Rodrigues e irmão de Mário Filho (sim, ele que dá o nome ao Estádio do Maracanã), sendo objetivo ao descrever os familiares, já dava as melhores credenciais para se trabalhar com jornalismo e toda essa parte criativa literária carioca do começo do século XX (nesse começo, leia a partir da década de 1920).
E, se tem algo que Nelson fazia com prazer, era descontruir essa tal de objetividade. Em uma de suas crônicas, ele escreve: “Um exemplo da nova linguagem foi o atentado de Toneleros. Toda a nação tremeu. Era óbvio que o crime trazia, em seu ventre, uma tragédia nacional. Podia ser até a guerra civil. Em menos de 24 horas o Brasil se preparou para matar ou para morrer. E como noticiou o Diário Carioca o acontecimento? Era uma catástrofe. O jornal deu-lhe esse tom de catástrofe? Não e nunca. O Diário Carioca nada concedeu à emoção nem ao espanto. Podia ter posto na manchete, e ao menos na manchete, um ponto de exclamação. Foi de uma casta, exemplar objetividade. Tom estrita e secamente informativo. Tratou o drama histórico como se fosse o atropelamento do Zezinho, ali da esquina”.
O puro e simples relatar dos fatos nunca foi um dos melhores métodos para se falar algo. Tudo bem, em alguns casos específicos, sim. Mas aqui estou falando de ver um pouco além do óbvio, de uma maneira menos fria e mais humana, por assim dizer. Nelson, que vivia em estado de paixão permanente – seja pelo Fluminense, pelo teatro e pelas mulheres em geral -, tinha uma fixação em demonstrar o seu talento e a emoção dos fatos, mesmo que em pequenas matérias nos jornais pelos quais trabalhou. Não há como escrever algo sobre a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982 ou as várias tragédias que assolaram o Brasil nas últimas décadas sem ter um pingo de emoção, apenas a descrição fria dos fatos.
Talvez estejamos todos parando de ter contato com os sentimentos e estamos nos tornando definitivamente escravos do óbvio e da mediocridade. Será que a obviedade existe por nossa falta de talento em dizer o que sentimos ao ver determinada cena/situação? É possível descrever um pôr-do-sol magnífico com apenas meia dúzia de palavras técnicas? Ou a rapidez do mundo moderno nos tomou a habilidade de sentir? Chega a ser frustrante não saber que realmente escreve o que acontece no mundo: será um ser humano ou apenas um robô recriando os fatos.
Seja o que for, é necessário fugir do óbvio, acrescentar um olhar diferente e apaixonado pelo que se vê e escreve. Nelson fazia isso muito bem ao retratar, nas suas crônicas cotidianas, um olhar sem igual, com um tanto enorme desse talento de amar todas as situações (até as mais trágicas), um mundo onde ele era o messias, o sofredor, o amante e o desprezado. Sem deixar de ser o escritor dos fatos do dia a dia. Sem ser o idiota da objetividade.