A Moça do Café
Aquele era meu primeiro dia na empresa, e como de costume na vida, estava alguns minutos atrasado. E claro que nada te motiva a correr rápido quanto prever a cara de desaprovação do seu chefe enquanto ele encara o relógio. Possa até ser que aconteça de lhe perguntar se aquilo são horas e você em um tom de bom humor, dizer que se o sistema internacional de medidas ainda não tiver mudado, possa ser que sim. Contudo sabemos que isso levaria a um dia seguinte na frente do computador imprimindo currículos (o que me lembra que minha impressora está sem tinta) e pesquisando na internet por vagas de trabalho, sendo seriamente tentado por aqueles anuncios ensinando a ganhar 200 reais sem sair de casa. Mas, voltando a história...
Minha tia-avó tinha um ditado que dizia sempre quando repreendia-nos: “quando bate a pressa educação nem interessa”. Se ela me visse naquele instante... Não era um comportamento de um cara mal ou um de um rebelde sem causa, embora fosse o bastante para merecer um belo puxão de orelha. O percurso de casa até o elevador da empresa pode claramente ser resumido em cinco esbarrões, três quase atropelamentos, duas quedas e um episódio envolvendo uma velhinha que sabia uns palavrões bem interessantes para uma unha encravada bem sensível. De fato, naquele dia difícil, a única coisa boa que aconteceu foi a jovem que segurou a porta do elevador. Sabe aquela pessoa que simplesmente aparece na sua vida com a única e exclusiva função de salvá-la? Essa era exatamente ela. Seria inclusive o momento perfeito para uma história de romance, não fosse a pressa mencionada anteriormente. Juro que ela parecia ser uma pessoa interessante, mas tamanha ansiedade me fez adotar o péssimo hábito de fingir prestar atenção na conversa, até o momento em que cheguei ao andar e cada um seguiu seu rumo: ela com um sorriso por ter feito um novo amigo e eu analisando as listas de desculpas possíveis para justificar meu atraso. Por sorte, o chefe também havia se atrasado porque teve de atender um telefonema da mãe dele que havia sido atingida por um louco correndo a solta na cidade, que acabou pisando em sua unha encravada. Confesso que não é algo do qual eu me orgulhe, mas... definitivamente valeu a pena!
No meio do expediente, reconheci a mesma jovem que subira comigo no elevador, passeando entre os departamentos ora com inúmeras pastas e arquivos, ora com uma bandeja de café. Era bom saber que trabalhavamos na mesma empresa, e que agora poderiamos ter um contexto melhor para desenvolver uma conversa, afinal eu me lembrava dela ter dito na conversa que era estagiária, que tinha vinte anos e que se chamava... É, esqueci o nome dela.
Na segunda vez que nos encontramos, conversavamos como se já nos conhecessemos a um bom tempo, com tanta intimidade que a ideia de perguntar novamente o nome dela seria o mesmo que dizer que não prestei atenção no que ela disse, e isso, segundo um amigo meu, é uma das 137 coisas que você deve evitar ao máximo dizer a uma mulher (as outras 136 estão disponíveis em seu site pessoal, mas isso não vem ao caso). Decidi usar o velho truque de proferir frases que não remetessem ao seu nome e esperar até que alguém falasse com ela, mas definitivamente, nada feito. A grande questão é que três meses depois, já eramos grandes amigos. E eu não sabia qual era o bendito nome da moça do café.
Até que um dia, fui convocado para a sala do chefe do departamento, afim de reeditar um relatório. No meio do processo, ele acabou pegando o telefone e ligando para outro setor:
- Helena, quando vier a minha sala, traga um pouco de café. Depois avisa que a reunião foi remarcada para daqui a duas horas...
Nesse momento tinha quase certeza que a moça se chamava Helena, o que acabou sendo confirmado quando ela entrou na sala com a bandeja. Serviu-nos com um sorriso no rosto, que fiz questão de retribuir triunfante e vitorioso por ter solucionado o mistério. Voltamos a nos encontrar no fim do expediente, tendo outra de nossas longas e animadas conversas, até o momento em que tive de sair. Dias especiais merecem desfechos especiais, e como eu estava morrendo de vontade de usar meu novo trunfo, esperei o momento final para dizer:
- Até amanhã Helena!
Esse é o final perfeito para se contar, mas vamos dizer que ainda tem muita roupa nessa maquina de lavar...
Desse dia em diante, comecei a notá-la um pouco mais indiferente, e claro, aquilo que tu fizeres a moça do café, irá se refletir na bebida dentro de sua xícara. Jamais foram proferidas palavras tão verdadeiras, digo isso porque parecia que alguém tinha misturado leite de magnésio numa borra de café de uns três dias e coado isso na meia de alguém que tem frieira de um modo que nem um vidro de adoçante melhorava. Todos os outros bebiam normalmente seus cafés, mas eu mal conseguia encostar a língua. Originava-se então um outro enigma: o que havia de errado?!
Três dias depois voltei a sala do chefe para receber os parabéns pelo excelente trabalho com o relatório, certo que para comemorar solicitamos o tradicional café (vale ressaltar que não somos viciados em cafeína, ou pelo menos, não eramos). Ela veio, deixou a bandeja e se retirou sem qualquer reação diferente da formalidade exigida. Aproveitei então a deixa:
- O senhor sabe porque a Helena tem andado estranha esses dias?
- O que tem eu? - Disse uma mulher de meia idade que acabara de abrir a porta.
- Não, a senhora não – retratei-me – falo da outra Helena.
- Que outra Helena? - perguntou o chefe – A única Helena que trabalha aqui é ela, minha secretária.
- Mas naquele dia o senhor não havia ligado para a Helena e solicitado que ela viesse deixar o café aqui?
- Ele ligou – respondeu ela – mas como eu estava ocupada, acabei pedindo para a estagiária nova, a Lúcia, achei que você conhecesse ela...
- Espera, quer dizer que o nome dela é Lúcia e não Helena?!
Refleti por um momento até chegar na trágica conclusão, que fez com que eu me sentisse a pessoa mais burra do universo, o que era ruim, mas não de todo o mal porque no fundo, explicava o tal mistério do café.