O CANTO QUE VEM DO CHÃO

O CANTO QUE VEM DO CHÃO (sem revisão)

"O que o escritor produz / ilumina a

Humanidade / mais que as usinas

de luz / de gigantesca cidade".

(trova) "NATO" AZEVEDO - 1995

"Você pode dizer que sou um

SONHADOR... mas não sou o

ÚNICO!" - JOHN LENNON

Definitivamente, creio que para o repentista, para o cantador que improvisa e para boa parte dos aboiadores mais experientes o (seu) canto vem... dos céus. É isso, de alguma parte do firmamento, desse Universo desconhecido no qual os cientistas espaciais descobriram várias Galáxias. O mero elocubrar de frases poéticas não explica a qualidade -- mais do que a quantidade -- e o lirismo de tantas obras magníficas, produzidas "em instantes" por um cantador veterano e pelos poucos que trazem em si o repente avassalador, em temas atordoantes.

Mas antes de conhecer o canto expressivo desses homens do povo através de discos LPs, conheci essa mesma Poesia nos livretos de cordel, com os quais tomei contato de volta ao Rio de Janeiro -- para o Serviço Militar OBRIGATÓRIO, nesse país de DIREITOS (?!), segundo o petista roxo Adroaldo Bauer -- isso por volta de 1968/69. Entre os inúmeros "caderninhos" de poesia genuinamente popular que li estava o inesquecível "RUFINO, o Rei do Barulho", contando os "causos" do rufião que causava confusão onde ía e acabou desafiando até Satanás. Adiante, "descobriria" Patativa do Assaré e as DORES de uma região inteira, entregue "ao Deus dará" e ao Destino ingrato nas mãos de "coronéis", de cangaceiros e políticos da pior espécie, um Nordeste eternamente condenado à própria sorte, sem água, sem comida, sem Presente nem futuro.

Afinal, quando despertou em mim o desejo de produzir algo semelhante?! Ao que tudo indica, foi a partir de um concurso cultural de 1988 no antigo CENTUR -- vulcão de atividades e eventos culturais sob a batuta do poeta Paes Loureiro -- que surgiu neste vate dedicado à canção popular a inclinação para o cordel. Eu disse... CORDEL? Meu trabalho para o concurso era tudo (exceto pelo "tamanho") menos cordel! Com 24 ou 26 estrofes -- de 8, 10, 15 e até 20 linhas, digo, versos -- e "escorrendo veneno" em cada frase, o "poemão" era apenas VINGANÇA contra uma certa estatal "de desabitação" que nos infernizava os dias, enquanto mantinha dezenas de casas recém-construídas "abandonadas", "enrolando" 55 ou 60 MIL cadastrados do Estado inteiro.

Nas voltas que o Mundo dá, venceu o concurso um certo Abiezér Silva, classificado também no gênero Contos e que viria a ser, pouco depois, meu parceiro musical na dupla "Cultura Nossa", idéia dele, em meados de 1990. Graças a Lucinerges Couto, que arregimentava escritores onde os via, viria eu a conhecer tanto o Silva quanto um poeta de renome na capital, o Juraci Siqueira, que salvo engano fôra júri no concurso da FCPTN e me apresentou às reuniões da APE - Assoc. Paraense de Escritores, além dos seus saraus noturnos regados a vinho e poesia.

Num segundo momento, "entrei de gaiato" no meio de uma contenda (pelos jornais de Belém) poética entre Juraci e um certo "Fulgêncio Batista". Ao tentar defender o poeta imortalíssimo -- de quem "puxaram a Cadeira da APL", sua por mérito e direito -- caí numa "arapuca" e apanhei feito boi fujão. A peleja se arrastou (por 2 Jornais) durante semanas até que, numa Seresta oficial da Prefeitura de Belém, na velha Praça do Carmo, o tal "Fulgêncio" se revelou ser nosso amigo comum Obdias Araújo, hoje de volta a Macapá... todo mundo SABIA, menos eu, é claro.

Só recentemente vim a descobrir a existência de LEANDRO GOMES DE BARROS e seus mais de SEISCENTOS cordéis, produzidos em menos de 20 ANOS poetando. Nesse ponto a Internet se redime... essa WEB de tantas barbáries dá espaço para toda a obra de Leandro, microfilmada página por página pela CASA RUY BARBOSA, para NNNOOOSSSAAA ALEGRIA! Um Mundo extremamente REVELADOR dessa eterna Nação DE LADRÕES, de patifes e vilões, de fome e miséria, de incompetência E DESPERDÍCIO, de Política perversa e insensível, País sem hospitais, sem escolas, sem esperança nem futuro.

Certamente conhecer Leandro Gomes de Barros foi o BATISMO de entrada nesse estilo poético, embora meu trabalho ainda esteja eivado de "preciosismos", de expressões e têrmos eruditos que prejudicam ou empanam o brilho de ARTE popular (brotada das entranhas da terra) que o Cordel emana, essência de um povo sofrido, cansado, desiludido, amargurado.

Mesmo assim, estou feliz! Sinto a luz da inspiração chegar quando sento para anotar os pequenos "pedacinhos" do futuro poema -- surgidos nos dias anteriores -- e para JUNTÁ-LOS todos em mais 1 CORDEL, unindo-os com novas estrofes e corrigindo os "senões" porventura existentes nas já criadas. Boa parte deles está registrada no YOUTUBE, graças mais uma vez à Internet e ao mestre de Capoeira (de Paris) "GUARÁ", que me deu os meios (e modos) para tal realização!

Resta falar sobre as "Cartas de um Matuto", extenso cordel satírico produzido por um certo "Tibúrcio d'Annunciação", entre 1907 (ou 1910) e 1940/50, enquanto durou a revista CARETA e nela trabalhou MÁRIO BHERING, autor do bem-humorado panfleto sobre os costumes e figuras do Império e dos dias primevos da República e, por longo tempo, seu diretor. É curioso notar que Leandro Gomes -- com seu eterno pessimismo sobre o Brazil -- e Mário Bhering, sarcástico e satírico, são 2 faces da mesma moeda, um país que NÃO MUDA NUNCA, até quando finge mudar, como nesse azíago 2016 de tragédias e pantomimas políticas, nação que não quer se modificar, mesmo que isso irremediavelmente A DESTRUA !

"CARTAS DE UM MATUTO" mereceria um livro próprio, ainda guardo (desde 1969/70) perto de 110 cordéis extraordinários, com 18, 20 ou 21 estrofes de 8 versos, rabiscados no calor das primeiras horas dessa "república de bananas". Pinço breves trechos de cordel falando de Hermes e Wenceslau, portanto, dos mandatos iniciais do "presidencialismo" tupiniquim:

Na cidade e no arraiá

cumpadre é inté maçada;

a gente só vê falá

de Política e mais nada.

Segundo eu oiço dizê

o tá doutô Wenceslau

é ruim a mais não podê,

é devéra um home mau.

Mas pr'os amigo elle é franco:

dizem (não sei) que já deu

cincoenta conto do Banco

a um Rodolpho de Abreu.

Diz que d'agora por diente

vai sê uma guerra crua;

ou vota co'o Presidente

ou tá no ôio da rua.

"TIBÚRCIO D'ANNUNCIAÇÃO"

É esse o Brazil de 1915/16... esse continua sendo o Brasil de 2015/16 "et per omnia saecula"! Agora tentam aliciar mulheres e jovens para MUDAR (?!) o país através DA POLÍTICA, essa ILUSÃO estúpida, sádica, masoquista, inútil, perdulária, absolutamente DESNECESSÁRIA e improdutiva. "E la nave va"!

"NATO" AZEVEDO (10-11/junho 2016) escritor e compositor