O baiano Santo Antônio

                                   Santo Antônio, na Bahia, não                                    acaba mais
 
                                                            Afrânio Peixoto

          1. Antônio de Pádua, que também é de Lisboa, já foi considerado o padroeiro de Salvador. Eu disse considerado porque, até onde me foi dado pesquisar, não encontrei um só ato do Vaticano efetivando-o no honroso posto.
          Fê-lo padroeiro, no finalzinho do século 16, a Câmara de Salvador, acolhendo os apelos do povo da capital baiana; o que não é a mesma coisa. Os motivos que determinara essa escolha, direi depois.
          2. Mas a ideia de fazer o santo seráfico orago dos soteropolitanos não prosperou. A guarda da capital da Bahia foi entregue a um discreto santo jesuíta chamado Francisco Xavier, em 10 de maio de 1686. Quase esquecido, ele permanece no pódio, até os nossos dias.
          3. Aproveito para lembrar ao distinto leitor o seguinte: ao contrário do que muitos pensam, Senhor do Bonfim nunca foi o padroeiro de Salvador e nem da Bahia.
          A Bahia tem uma padroeira que é Nossa Senhora da Conceição da Praia, e desde 1549 quando chegou à capitania mãe o primeiro Governador-geral do Brasil, o senhor Thomé de Souza.
          4. Só que, amparado pela indiscutível devoção popular, Senhor do Bonfim é reconhecido como o protetor número de Salvador e do Estado da Bahia.
          Está, inclusive, num dos versos do seu belo hino: "És, Senhor, Sentinela avançada/ És a guarda imortal da Bahia", tocado e cantado nas novenas, nas missas, nos carnavais, nas humildes e pomposas solenidades e até nos Terreiros de Candomblé, onde Ele é Oxalá.
          5. Então. Quando e por que Salvador viveu sob os cuidados de Santo Antônio de Pádua? Em poucas palavras, direi.
          E o faço com base no que, através de seus escritos, disseram vários historiadores, entre eles Frei Antônio de Santa Maria Jaboatão, frade franciscano, orador, cronista, nascido em Pernambuco em 1695.
          6. Corria o ano de 1595. Da França, partiu uma frota de doze navios com destino à "cidade da Bahia", assim Salvador era chamada.
          Objetivo: num propósito de incontrolável vingança, a tripulação desses navios desejava tomar e destruir a capital baiana, em desagravo á expulsão dos franceses da cidade do Rio de Janeiro, em 1567, episódio muito conhecido.
          7. Passando pela fortaleza de Arguim, na costa da África, os tripulantes das doze naus a invadiram e cometeram "atos de cruel violência contra seus habitantes e suas igrejas".
          E diz Frei Jaboatão que a tripulação apoderou-se de uma imagem de Santo Antônio".
          8. Depois de arrasar Arguim, a esquadra francesa prosseguiu viagem rumo ao Brasil.
          Numa das naus, estava a imagem roubada, que passou a sofrer"toda sorte de zombarias, e mesmo golpes de espada, a ponto de ficar mutilada".
          A tripulação, Protestante, não hesitou em lançar a imagem ao mar.
          9. Na travessia, violenta tempestade atingiu a frota. Quase todos os navios afundaram. As que se salvaram, alcançaram a costa brasileira  na altura do Estado de Sergipe. Os tripulantes sobreviventes foram imediatamente presos, e, por terra, trazidos para Salvador.
          10. E dizem os historiadores: "Depois de muitos dias em caminhada, ao chegarem em Itapuã, os tripulantes... encontraram a imagem de Santo Antônio, aquela mesma, saqueada e maltratada antes de ser jogada ao mar, na beira da famosa praia".
          11. Arrependidos, os prisioneiros a recolheram, decididos a entregá-la a quem se dispusesse "pô-la numa ermida". A imagem caiu nas mãos de um cidadão chamado Francisco Garcia D´Avila. Posteriormente foi levada para a igreja de Nossa Senhora da Ajuda. 
          12. Imediatamente, o povo de Salvador e a Câmara soteropolitana elegeram Santo Antônio de Arguim padroeiro da capital baiana. Mas faltava a aprovação da Igreja. 
          Seja lá como for, acompanho aqueles que garantem que o santo seráfico foi o primeiro padroeiro de Salvador.
          13. Mesmo sem o título de padroeiro, ao longo dos séculos, a devoção dos salvadorenses  por Antônio de Pádua cresceu assustadoramente. 
          Salvador tem ruas, largos, bairros, colégios, fortes com o nome do glorioso santo lisboeta. 
          O Farol da Barra, badaladíssimo, ponto de encontro cívico e recreativo do povo de Salvador, brilha no alto do Forte Santo Antônio.
          14. Não por acaso, está em Salvador o Hospital Santo Antônio, o hospital mais caridoso do Brasil, fundado para os desvalidos pela beata Dulce dos Pobres, a Irmã Dulce, o Anjo Bom da Bahia.
          Nas terças-feiras, os altares antoninos recebem tanta gente que os devotos têm dificuldade de fazer suas preces nos pés do glorioso Antônio: falar-lhe ao ouvido; tocar com as mãos o seu burel marrom, milagroso...
          15. Uma igreja antoniana foi construída pelos portugueses num dos locais mais privilegiados de Salvador.
          Refiro-me à igreja de Santo Antônio da Barra. Do alto de uma das colinas da cidade, desde 1595, uma imagem do taumaturgo seráfico abençoa a Baia de Todos os Santos.
          16. Assim, pela devoção que os baianos demonstram ter pelo Martelo dos hereges, o santo casamenteiro, o santo das coisas perdidas, o santo do amor, Santo Antônio de Arguim poderia ser o padroeiro de Salvador.
          Que São Francisco Xavier não me ouça...
          17. Esta é uma história que, de acordo com vários estudiosos, aproxima-se de uma lenda.           Digo eu: mais uma lenda a fazer da Bahia uma terra cheia de religiosidade, encantos e mistéeeerios... 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 11/06/2016
Reeditado em 28/10/2020
Código do texto: T5664283
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