O Amor é Salgado
Diz que o amor é cego.
Amor que é amor mesmo, se precisar,
entorpece todos os demais sentidos.
Amor que é amor mesmo, se precisar,
entorpece todos os demais sentidos.
Ela chegou com fome. Muita fome. Abriu a geladeira e, feliz, deparou-se com uma sobrinha de shitake ao shoyo. Controlou-se para não devorá-la ainda fria e resolveu fazer um risoto. Juntou cebola, cheiro-verde, água, arroz e um caldinho knorr. Sim... ela sabia. Sódio demais e, na TPM, não era uma boa pedida. Mas era a perspectiva de algum inchaço mais tarde ou o flagelo da fome imediata e ela optou pela primeira.
No ápice do seu momento culinário pós moderno, foi interrompida pela campainha. Era o namorado, ligeiramente adiantado. Abriu-lhe a porta, beijaram-se rapidamente e, com ares de Ana Maria Braga, ela terminou o preparo, oferecendo-lhe um pouco. Ele também estava faminto, vinha direto do trabalho, e aceitou a oferta de bom grado.
Ela o acomodou à mesa e serviu-lhe um prato. Em seguida, voltou à cozinha para pegar um vinho, perguntando-lhe, de lá, se a comida estava boa. "Ótima!", ele respondeu. Ela ofereceu-lhe a taça cheia, e ele devia estar com muita sede, pois bebeu tudo de uma vez. Enquanto ela se servia, ele deu mais uma garfada, sorrindo amarelo, quase um pedido de socorro, mas estavam juntos há pouco tempo, ela não soube lê-lo.
Enfim, ela sentou-se para comer e, mal colocou o garfo na boca, entendeu o comportamento dele. Sentiu-se lambendo a mulher de Ló, após a punição mais desproporcional da história para uma mera crise de curiosidade.
- Que horror! É sal puro! Como você conseguiu comer?! - perguntou ela, incrédula, tomando-lhe o prato.
Ele sorriu, ainda amarelo, mas agora um pouco mais aliviado:
- Fiquei sem jeito de reclamar.
Ela jogou tudo na lixeira. Ele ainda tentou conciliar:
- Quem sabe se puser umas batatas?
Batata resolveria o caso de um ligeiro erro de cálculo mas dessalgar aquele mar morto era trabalho para muito mais batata do que qualquer dieta hipocalórica lhe permitiria e ela o arrastou para a rua, disposta a pagar-lhe um sanduíche, um teppanyaki, um rodízio de pizza. Qualquer coisa que lhe apetecesse. Ele merecia.
Afinal, por amor, o pobre coitado havia ingerido meio prato daquele veneno. O tesão poderia até não durar tanto, mas a hipertensão estava garantida por, pelo menos, uns dez anos.
Texto publicado em minha coluna de hoje do jornal Alô Brasília, reeditado do texto homônimo publicado em 10/04/2008.
No ápice do seu momento culinário pós moderno, foi interrompida pela campainha. Era o namorado, ligeiramente adiantado. Abriu-lhe a porta, beijaram-se rapidamente e, com ares de Ana Maria Braga, ela terminou o preparo, oferecendo-lhe um pouco. Ele também estava faminto, vinha direto do trabalho, e aceitou a oferta de bom grado.
Ela o acomodou à mesa e serviu-lhe um prato. Em seguida, voltou à cozinha para pegar um vinho, perguntando-lhe, de lá, se a comida estava boa. "Ótima!", ele respondeu. Ela ofereceu-lhe a taça cheia, e ele devia estar com muita sede, pois bebeu tudo de uma vez. Enquanto ela se servia, ele deu mais uma garfada, sorrindo amarelo, quase um pedido de socorro, mas estavam juntos há pouco tempo, ela não soube lê-lo.
Enfim, ela sentou-se para comer e, mal colocou o garfo na boca, entendeu o comportamento dele. Sentiu-se lambendo a mulher de Ló, após a punição mais desproporcional da história para uma mera crise de curiosidade.
- Que horror! É sal puro! Como você conseguiu comer?! - perguntou ela, incrédula, tomando-lhe o prato.
Ele sorriu, ainda amarelo, mas agora um pouco mais aliviado:
- Fiquei sem jeito de reclamar.
Ela jogou tudo na lixeira. Ele ainda tentou conciliar:
- Quem sabe se puser umas batatas?
Batata resolveria o caso de um ligeiro erro de cálculo mas dessalgar aquele mar morto era trabalho para muito mais batata do que qualquer dieta hipocalórica lhe permitiria e ela o arrastou para a rua, disposta a pagar-lhe um sanduíche, um teppanyaki, um rodízio de pizza. Qualquer coisa que lhe apetecesse. Ele merecia.
Afinal, por amor, o pobre coitado havia ingerido meio prato daquele veneno. O tesão poderia até não durar tanto, mas a hipertensão estava garantida por, pelo menos, uns dez anos.
Texto publicado em minha coluna de hoje do jornal Alô Brasília, reeditado do texto homônimo publicado em 10/04/2008.