Silvino Neto
Certa noite eu estava dormindo, quando o telefone tocou. Olhei no relógio e vi que eram 2h45 da madrugada. Fui atender e uma voz me disse:
"Eu detesto desculpas para estar ligando a esta hora. Mas eu queria saber se você se lembra de mim?" E disse:
"Trabalhadores do Brasiiiiiiiiiiiiiiiiiiilllllll ".
Então eu respondi: "Se não for o próprio Getúlio Vargas só pode ser o Silvino Neto".
Então ele me agradeceu, de coração:
"De fato eu sou o Silvino Neto".
"Entre as dez ligações para as pessoas que viveram no meu tempo, você foi o único que me reconheceu". Ai eu lhe disse:
"O senhor era o maior imitador do Brasil. sua imitação de Getúlio era perfeita, assim como era a do Ademar de Barros, do Jânio Quadros, do Francisco Alves, do Carlos Galhardo, do Orlando silva, e do Ari Barroso, também. Tudo o que o senhor imitava era perfeito".
Então ele me disse:
"Laércio, eu só liguei para você por que tinha certeza que você iria me fazer feliz". E eu, continuando, lhe disse:
"Senhor Silvino Neto, eu tenho uma memória privilegiada, pois quando eu nasci em 1934, o senhor já era um artista famoso, na Rádio e no Teatro". Então ele me disse:
"Em 1934 eu era cantor de tangos, com o nome de Pablo Gonzalez. Fiz muito sucesso. Depois comecei a cantar músicas brasileiras, imitando Carlos Galhardo, Arnaldo Pescuma, e Lamartine Babo. Isso era em 1938. Eu comecei em 1931, na Rádio Educadora Paulista. Em 1936 eu fui para a Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Fui compositor de mais de 50 músicas".
Então eu lhe disse: "Adeus não é sua ?" e ele me respondeu: "É, e gravada por Francisco Alves, em 1947".
E eu lhe disse: "Para mim a sua melhor música foi Uma saudade a mais, uma Esperança a menos. E me parece que todos os grandes cantores a gravaram".
Então ele me respondeu:
"Já vi que eu escolhi a pessoa certa para conversar. Eu vou te confessar, também, uma coisa. Para mim, a melhor coisa que eu fiz foi essa".
Então eu lhe pedi licença e disse:"Senhor Silvino, o ultimo verso é um dos mais bonitos e emotivos do cancioneiro de toda a música brasileira... E O destino assiste e vai sorrindo dos tristes acenos ele sabe que a vida consiste numa saudade a mais numa esperança a menos".
E o Silvino ainda me disse: "O Orlando Silva também adorava cantar essa valsa". Então eu lhe disse: "Ai por volta de 1943, na Nacional, o senhor não criou o programa humorístico, A Pimpinela?" E ele me disse: "No rádio faltava um Programa daquele como a Pimpinela, então eu imitava o Seo Acácio, o Seo Januário, o Anestésico, a Pimpinela, o Waldemar, que era um tipo que eu vi na rua e que veio completar o quadro".
"E antes de 1945 havia uma censura tremenda, que quando o programa acabava eu era conduzido à chefatura central, comandada pelo senhor Filinto Muller, para prestar declarações que ele não havia gostado. Mas um amigo da Rádio Nacional ligava para o Getúlio Vargas e ele mandava me soltar, na hora. Não era só eu. Muitos artistas eram detidos pelo chefe de polícia do Rio de Janeiro. Mas o senhor Getúlio Vargas mandava soltar os artistas".
Ai eu perguntei a ele: "E o futebol dos políticos que o senhor inventou?" Então ele me disse:
"Foi uma boa ideia o PTB que era do Getúlio e a UDN que era do brigadeiro Eduardo Gomes, eu montei dois times com 11 políticos de cada lado, No time do PTB, o centroavante era o Getúlio Vargas, e no time da UDN, o centroavante era o Eduardo Gomes. O Juiz era o Filinto Muller. Como o time do senhor Getúlio ganhava sempre e ele marcava vários gols, comigo irradiando o jogo deu um problema. O senhor Flávio Costa, técnico do Vasco da Gama e da Seleção Brasileira olhou para mim e disse, com ar de riso: Pare com esse negócio de Getúlio Vargas marcar gols, por que eu tenho recebido muitas cartas para colocá-lo na Seleção Brasileira. Entre o Zizinho de um lado e o Jair da Rosa Pinto, do outro".
Ai o senhor Silvino me disse:
"Agradeço à sua atenção. Eu pude recordar muita coisa da era do rádio em que todos tinham de ter talento para vencer na vida".
E ele me disse:
"Laércio, que Deus proteja todos os seus.."
E foi por ai que eu acordei com o barulho do jornal batendo na minha parede, atirado pelo entregador de jornal. Foi um sonho muito real.