TIA FLORA
(27/07/2011)
Duas casas encaravam-se com olhares de sótãos e uma cerca de ripas perfilava-se entre ambas feito fronteira a delimitar territórios.
Pés de chorões ao redor da cerca, escorriam languidez de galhos sobre o gado a ruminar preguiça de agostos fumarentos.
Um bichano na soleira da porta , travesseiros estirados numa das janelas,entregues à bafejos de ventos mornos, aqueciam-se para alcovitar sonhos de uma noite inteira.
A charrete de muito já havia cruzado a porteira.Retornara da cidade batucando as bilhas de alumínio esvaziadas,então,do leite que as entornara.
Era agosto.Branquejavam floradas no quintal vizinho e a "Vigoreli" entoava o compasso da tarde.
Pés sobre os pedais,movimentos cadenciados,mãos alisando tecidos... Sobe e desce frenético de agulha e linha.
Camisa xadrez, manga longa e punho...Olhar azulado, atento ,dividido...Ora, no pano a tornar-se vestimenta,ora nos canteiros diante da janela.
[ Crespas escarolas entre o laranjal]
Farra da colheita por febris pardais...
-Passarinhada "infeliz"!!!...Ah! Como eu os queria bem longe daqui...
Quinze horas.
Rádio sintonizado:
[Grande teatro Palmolive]
O gingle:"Pom Pom com protex,protege o bebê!"
A voz empostada anuncia: Num original de Amaral Gurgel," Caminho de Lágrimas!" Estrelando...
Agora um olhar azulado vagante na tarde. As mãos entrelaçadas à caneca de ágata. Silenciavam-se os pedais, dava-se trégua aos pardais...
Num degrau de escada, na porta dos fundos, um perfil na tarde vivia os personagens, sorvia da caneca o café das três...
Viajava em devaneios...Era toda emoção, alma, coração...
[Lágrimas disfarçadas no topo da escada]
Tinha sangue polonês e “ polaco bom não chora à toa.”
E chorava!...Era alma boa. Um cisco no olho, simulado, mascarava-lhe: Fragilidade,sensibilidade,ternura sem par.
Três horas caiam por sobre os chorões.Borravam de sombras duas cumeeiras com janelas quietas,arredias,naqueles sótãos que se encaravam.
Lenta e desengonçada, a procissão de vacas tomava o rumo do estábulo.
Descompasso abafado de cincerros denunciava no pasto animais ao fundo do potreiro.
Sabiás precoces recitavam nos bicos a poesia morna de agosto.
Na terra molhada,verdes caracóis...Canteiros de escarolas,vagos girassóis...
E aquele olhar polaco azulando a tarde, rastelava sobras de um céu da mesma cor.
Tia Flora!...Uma guerreira, fruto de uma gente que cruzou os mares,que lavrou a terra,espargiu sementes e colheu espigas...
...E hoje na tarde gelada dum cinzento julho , a neve cai nas serras e uma chuva fina abraçada ao vento dilacera lembranças em miúdos pingos . Minhas mãos se aquecem na caneca quente, que não é de ágata, é o café das três...
Repica na vidraça terna nostalgia, e o gesto das mãos me faz lembrar titia.
Joel Gomes Teixeira
(27/07/2011)
Duas casas encaravam-se com olhares de sótãos e uma cerca de ripas perfilava-se entre ambas feito fronteira a delimitar territórios.
Pés de chorões ao redor da cerca, escorriam languidez de galhos sobre o gado a ruminar preguiça de agostos fumarentos.
Um bichano na soleira da porta , travesseiros estirados numa das janelas,entregues à bafejos de ventos mornos, aqueciam-se para alcovitar sonhos de uma noite inteira.
A charrete de muito já havia cruzado a porteira.Retornara da cidade batucando as bilhas de alumínio esvaziadas,então,do leite que as entornara.
Era agosto.Branquejavam floradas no quintal vizinho e a "Vigoreli" entoava o compasso da tarde.
Pés sobre os pedais,movimentos cadenciados,mãos alisando tecidos... Sobe e desce frenético de agulha e linha.
Camisa xadrez, manga longa e punho...Olhar azulado, atento ,dividido...Ora, no pano a tornar-se vestimenta,ora nos canteiros diante da janela.
[ Crespas escarolas entre o laranjal]
Farra da colheita por febris pardais...
-Passarinhada "infeliz"!!!...Ah! Como eu os queria bem longe daqui...
Quinze horas.
Rádio sintonizado:
[Grande teatro Palmolive]
O gingle:"Pom Pom com protex,protege o bebê!"
A voz empostada anuncia: Num original de Amaral Gurgel," Caminho de Lágrimas!" Estrelando...
Agora um olhar azulado vagante na tarde. As mãos entrelaçadas à caneca de ágata. Silenciavam-se os pedais, dava-se trégua aos pardais...
Num degrau de escada, na porta dos fundos, um perfil na tarde vivia os personagens, sorvia da caneca o café das três...
Viajava em devaneios...Era toda emoção, alma, coração...
[Lágrimas disfarçadas no topo da escada]
Tinha sangue polonês e “ polaco bom não chora à toa.”
E chorava!...Era alma boa. Um cisco no olho, simulado, mascarava-lhe: Fragilidade,sensibilidade,ternura sem par.
Três horas caiam por sobre os chorões.Borravam de sombras duas cumeeiras com janelas quietas,arredias,naqueles sótãos que se encaravam.
Lenta e desengonçada, a procissão de vacas tomava o rumo do estábulo.
Descompasso abafado de cincerros denunciava no pasto animais ao fundo do potreiro.
Sabiás precoces recitavam nos bicos a poesia morna de agosto.
Na terra molhada,verdes caracóis...Canteiros de escarolas,vagos girassóis...
E aquele olhar polaco azulando a tarde, rastelava sobras de um céu da mesma cor.
Tia Flora!...Uma guerreira, fruto de uma gente que cruzou os mares,que lavrou a terra,espargiu sementes e colheu espigas...
...E hoje na tarde gelada dum cinzento julho , a neve cai nas serras e uma chuva fina abraçada ao vento dilacera lembranças em miúdos pingos . Minhas mãos se aquecem na caneca quente, que não é de ágata, é o café das três...
Repica na vidraça terna nostalgia, e o gesto das mãos me faz lembrar titia.
Joel Gomes Teixeira