Aléxis, Fragiskos, Theo e Zorba, os gregos.
Aléxis não poderia ser comparado com Theo pois eram completamente diferentes; em tudo. Theo era pragmático, objetivo, desagradavelmente prático em tudo. Parecia até ser desprovido de sentimentos e de tesões, comum aos seres racionais. Porém algo, ou alguma coisa, ligava suas vidas, seus gostos, suas preferências. Até mesmo os casamentos com mulheres aparentemente incompreensíveis, porém verdadeiramente incompreensíveis além das aparências. Aléxis era emoção a flor da pele. Certa vez, na Grécia, viveu uma emoção tão arrebatadora, que, se sua vida terminasse ali, não haveria momento melhor,tudo estava na mais perfeita paz.
Acreditava que seria capaz de dançar como um grego.Melhor, precisava dançar como um grego.Aléxis estava em Hydra,na Grécia, - por Zeus! - com alguns amigos recentes e de muitos lugares do mundo. Todas as noites encontravam-se na taverna local, para ouvir e ver as danças maravilhosas que só os gregos sabem dançar. Aléxis sentia uma emoção e uma sensação jamais experimentadas.Como se ele tivesse sido tomado por uma força ancestral, talvez olímpica, no sentido mais sagrado.
Uma noite, seu amigo grego Fragiskos, convida Aléxis para fora da taverna, que ficava à beira de um penhasco, debruçado sobre o mar, dançar como dança Zorba em Zorba, o grego, o filme. Fragiskos começou a ensinar os primeiros passos, como no filme, porém ao som da música que vinha do interior da taverna.Depois de muitas tentativas, Aléxis conseguiu. Op!
Aléxis e Fragiskos retornaram à taverna, e juntaram-se aos outros amigos de todas as partes do mundo. Aléxis estava feliz. Pode-se dizer que estava helenicamente feliz e dançava como um verdadeiro grego dança, sentindo algo que jamais tinha sentido antes e com a certeza de que não sentiria nunca mais, jamais, alguma sensação parecida. Cada momento é único,pensava. Certamente. É como os pratos que os gregos quebram, para celebrar cada dança, cada momento, cada festa.Um prato só se quebra uma única vez.
Na última noite de Aléxis em Hydra, antes de partir rumo a novas experiências, quem sabe,muitos pratos foram quebrados para ele; em sua homenagem, enquanto dançava.
Quando saíram todos da taverna, Rá o deus sol egípcio, iluminava a Hélade, berço da heleftheria. Amanhecia. O céu começava a iluminar-se. Cores douradas e rosadas, que se refletiam no mar, e eliminavam a linha do horizonte, formando um único espaço, como se fosse uma imensa abóbada, sobre a cabeça de Aléxis.È esta a lembrança, da mais perfeita paz, que jamais se dissipou de sua mente, e de seu espírito. Ele estava feliz consigo mesmo, e sabia que nunca mais esqueceria aquele momento.Lá voltaria outras vezes, como, de fato, aconteceu. E ainda, certamente, voltará à Grécia muitas vezes. Porém, nas vezes que voltou não foi a mesma coisa, pois nunca será. Não se volta para a mesma sensação; volta-se apenas para o mesmo lugar.
Theo colocou o DVD. A tela encheu-se de luar; sem cor. Zorba recebe um convite. Zorba não hesita em aceitar pois é tudo o que ele deseja fazer. Dançar. E dança como só Zorba, o grego, dança como Aléxis dançou uma vez. Leve, suave, quase flutuando ao compasso marcado.Os sons dos buzuquis tomam conta do ar, da praia,do mar e do corpo de Theo. A dimensão perpétua, sua única possibilidade improvável de prazer, amplia o que ele quiser e ele dança o hassápikos agora falando grego como falam os gregos. Bebe vodka como se fosse ouzo ou outra bebida mais forte e se embriaga de vodka, não como um russo, mas como um grego. Em sua taverna imaginária, dança, bebe e come octapodis, kalamarakias, deliciosos pratos que apenas conhecia do cardápio de um restaurante grego fora da Grécia; para turistas.Theo rodopia, levanta os braços e se apóia no parceiro invisível ao seu lado. Sente seu ombro etéreo como quem sente a carne, os músculos e os ossos verdadeiros. Lado a lado eles dançam com passos imaginários, quase virtuais. Theo diz: Op! Estala os dedos, tok, uma, duas, tok, três vezes,tok, no compasso da dança. Troca o passo; perna direita por trás da esquerda e volta. Perna direita pra frente, sobe o joelho; pé no chão e Op! Theo ri! Ri muito. Op!Op!Op! É, porém, o zembékiko, a dança de todos os bêbados.Celebra a alegria.Pratos imaginários se quebram aos seus pés; e outros mais. Quebram-se por ele, mas não só por isso nem por sua condição simples,mas por reverência e por sua condição inexorável. Como os escorpiões, que se ferroam a si mesmos por ser essa uma condição de sua natureza. Quebram-se os pratos por alegria ou por tristeza e liberam-se todas as emoções contidas e censuradas..
Súbito pára. Theo não é grego e nem está na Grécia nem nunca lá esteve com seu corpo agora envelhecido e sem o porte sensual que acreditava que um dia tivesse tido. Aos poucos sai da dimensão perpétua, onde pode ser e estar sem nenhuma restrição. Theo podia morrer agora. Morrer de sonho, de quimera ao som dos buzuquis como se eles fossem bandolins portugueses, como se fossem cavaquinhos brasileiros. Theo, confuso, porém alegre, começa a morrer; e morre aos poucos e feliz como poderia ter morrido Aléxis que dançava com Fragiskos a beira de um abismo grego. Op! Theo agora morre. Talvez, ou certamente? por solidariedade, por comunhão. Theo está morto. Op!