VENDEDORES
VENDEDORES
Esse texto é dedicado aos vendedores em geral. Vendedor ambulante, vendedor de balcão, caixeiro viajante (alguém sabe o porquê desse nome?), vendedor de porta em porta, etc. Refiro-me aqui ao vendedor de corpo a corpo, que chega ao comprador em potencial com a cara e a coragem, e argumenta, teatraliza situações, inventa propriedades e qualidades de seus produtos que os mesmos não possuem. Hoje os profissionais são treinados, estudam o mercado, conhecem o que vendem, contam com pesquisas e qual o público alvo, etc.. Ou seja, o ofício de vender perdeu aquele clima de um confronto amigável, com muita conversa, em que o vendedor era terrível, inventivo, incansável, e só desistia da venda depois de muita recusa e, até esgotar a paciência do possível comprador. Não raro ocorriam discussões que encerravam a tentativa de vender. E muitas vezes o freguês comprava o que não precisava para se ver livre do vendedor. Não havia shopping Center nem essa imensa disponibilidade de serviços e produtos de hoje, e muitas coisas eram ofertadas de porta em porta, em feiras, etc.. Tinha redes do Ceará, sapatos de Novo Hamburgo ou de Franca, Enciclopédia Barsa, Britânica, Dicionário Lello, coleções de Monteiro Lobato, verduras, frutas, leite e pão, e muitas outras mercadorias.
Meu pai, após aposentar-se do exército, comprou um armazém e diariamente apareciam vendedores para tirar pedidos. Cada figura! O cara abria o talão e ficava ali recitando os produtos que vendia e meu pai falava o que precisava e a quantidade que devia ser entregue. Eu conheci vários profissionais de vendas em minhas andanças e colhi depoimentos de situações em que a criatividade, a argumentação e a cara de pau do vendedor são notórias. Hoje tudo é politicamente correto, mas que os vendedores de tempos atrás eram muito gozados, ah isso eram!
Descrevo abaixo algumas atuações que me veem à memória e considero engraçadas agora, é lógico. No momento que ocorreram acredito que irritaram uma das partes.
• Atílio era um mineiro casado com Glória, vendedor de um produto difícil de vender: propaganda em listas telefônicas. Foi fazer uma entrevista para ser admitido em uma grande empresa que imprimia listas. Entrou na sala do gerente geral, aquele ambiente luxuoso, carpetes, iluminação, poltronas de couro. Atrás de uma enorme escrivaninha, um cidadão com caras de poucos amigos, com um terno impecável. Sentou em frente ao sujeito e respondeu uma série de perguntas. Atílio não tinha lá muito estudo, mas era um vendedor insistente e criativo. Depois do interrogatório, o camarada, meio que para se livrar do candidato, Falou: -“Se você é vendedor, me venda esse cinzeiro!”; disse apontando para o objeto que estava na mesa, cheio de pontas de cigarros e cinzas. Atílio, sentindo que sua admissão estava em jogo, não titubeou. Jogou todo o conteúdo do cinzeiro na mesa, causando uma sujeira terrível. O Sujeito ficou furioso, mas Atílio começou a falar: -“Eu vim oferecer-lhe um produto incrível que irá resolver esse problema. Sua mesa estará sempre limpa, sem resíduos de cigarros. Trata-se deste produto, feito em vidro, com esse desenho maravilhoso! Chama-se cinzeiro”. O cara, embora irritadíssimo, se rendeu. Atílio foi contratado.
• Era a primeira vez que Atílio visitava aquele cliente. Após uma extensa argumentação sobre as vantagens de fazer propaganda em listas telefônicas, o cliente afirmou: -“Muito bem, gostei. Acontece que nunca compro nada na primeira visita do vendedor. Em sua próxima visita, prometo que vou assinar um bom contrato de propaganda com você! Atílio recolheu toda sua papelada que estava na mesa, fechou a pasta modelo 007, e solenemente se despediu. Saiu pela porta e a fechou. No mesmo instante voltou, bateu na porta e abriu: -“ Como vai? Há quanto tempo! Lembra de mim? Eu sou o Atílio, representante das Páginas Amarelas. Trago aquele contrato para o senhor assinar, conforme prometido!”. Dessa vez não deu certo. Foi expulso da sala aos berros por um cliente indignado com tanta cara de pau.
• Valdir foi um companheiro de bar. Aos sábados à noite, gente sentava em uma das mesas do Bar e Restaurante Independência, na praça de mesmo nome, em Santos. E batíamos longos papos, regados a chopp e iscas de peixe. Era vendedor e me contou muitas estórias. Certa vez, em uma visita a um cliente que nunca lhe atendia por telefone, resolveu ir pessoalmente ao escritório da empresa. Nesses casos, Valdir havia inventado uma técnica para ser recebido. Chegado a sala de recepção, anunciou que era da Associação Comercial. Foi prontamente autorizado a entrar no escritório do gerentão e começou a falar que representava sua empresa e foi desfiando a conversa de vendedor. O camarada, surpreso disse que só tinha atendido por se tratar da Associação Comercial. Ao que Valdir retrucou: -“ Eu falei que tinha um assunto comercial. Sua secretária deve ter se equivocado.” Mesmo assim o camarada resolveu atendê-lo. Valdur abriu a sua grande pasta no colo e iniciou a arenga. De repente, sua pasta escorregou e caiu sob a mesa, com a quina batendo bem no pé do cliente. O homem danou-se a berrar, “ meu calo!”;”mau calo!”. E berrando e chorando de dor, expulsou meu amigo da sala. Valdir, é lógico, nunca mais apareceu por lá. Tem mais.
Paulo Miorim
03/06/2016