OS LINDOS CABELOS DE MINHA IRMÃ

Eu sempre tive uma queda para grandes obras e ações que exerçam impacto emocional nos outros e em mim mesmo. Não me satisfaz a pequenez dos atos ou a insignificância de atitudes mesquinhas. Quero sempre aparecer e dou-me por satisfeito e quase chego ao orgasmo quando chega o elogio franco ou dissimulado. O mundo é um teatro.

Eu com quatro anos e minha irmã com três anos éramos uma dupla de botar de pé os cabelos loiros acastanhados de minha mãe e de deixar seus lindos olhos azuis fuzilando incontidos na órbita ocular.

Minha mãe tinha nos cabelos loiros, longos e encaracolados de minha irmã algo de muito lindo e precioso para ela. Era seu enlevo penteá-los e admira-los. Lembro-me de minha irmã correndo e o vento buliçoso vindo doidivanas se enrolar, se esconder para feliz despentear seus lindos cabelos loiros. O sol apaixonado se misturava a eles e na tentativa de defendê-los dava uma cor doirada de beleza inacreditável.

As professoras na escola queriam por inveja doida que seus cabelos longos fossem tosados e tentavam, de qualquer maneira encontrar neles algum piolho, alguns ovos de insetos anopluros, mas minha mãe, como sempre muito zelosa não deixava que estes insetos pediculídeos, sugadores malditos se alojassem no couro cabeludo de minha irmã.

Nas nossas brigas pueris, por respeito nunca puxei seus cabelos.

Um dia na casa de nossa avó estávamos brincando os dois ou então fazendo alguma peraltice, não me recordo, quando então surgiu a grande oportunidade para a minha consagração.

Minha irmã tinha acabado de tomar seu banho. Estavam no seu cabelo, dois laços em fita azul, como borboletas enormes sugando o néctar, uma de cada lado de sua cabeça, separando ao meio seus loiros cabelos.

Sua franja, cuidadosamente alinhada acima da sobrancelha dava o tom angelical ao seu rosto. Quando vi aquilo, brotou em mim a seiva da criatividade e eu, como que possuído por um ser criador e renovador de cabelos diferentes fui atrás de uma tesoura.

A tesoura, ponte aguda estava ali na mesa chamando minha atenção. Até parecia que ela me dizia:

- Vem me possuir que em suas mãos mágicas criarei coisas lindas. Vem moleque, vem.

Hipnotizado não resisti e quando me dei conta estava com a maldita ferramenta entre os dedos num abrir e fechar frenético apontando-a para minha irmã.

- O que você vai fazer com esta tesoura, perguntou um tanto apavorada e curiosa minha irmã.

- Vou deixar seus cabelos mais lindos, respondi com entusiasmo, caminhando ao seu encontro.

- Mas a mãe não vai gostar, replicou se afastando medrosa.

- Vai gostar sim. Seus cabelos vão ficar mais lindos.

E para que ela participasse desta imaculada operação completei dizendo:

- Eu corto primeiro e você corta depois meus cabelos.

Como ela sempre acreditava em mim e eu possesso estava falando com a convicção de quem sabe o que vai fazer se inclinou oferecendo sua cabeleira para o sacrifício.

Tal qual um mestre da tesoura iniciei a remodelação daquele cabelo imaginando algo fantástico que pudesse arrancar aplausos de minha mãe.

Corta daqui, repica dali amontoando no assoalho ao derredor de nossos pés sua loira cabeleira até que a tesoura maldita, invejosa, sacana tal qual uma jararaca maluca furou a testa e em seguida o pescoço de minha irmã. O sangue jorrou, encobrindo buliçoso seus olhos e como moleque travesso manchou seu vestido branco respingando saltitante no assoalho. Minha irmã gritou de dor. O grito dela retumbou na sala em que estávamos e foi buscar os ouvidos de minha mãe e minha avó na cozinha.

A obra ficou inacabada.

Minha mãe arrastada até a sala pelo som do grito agudo de minha irmã não resistiu ao que viu e se pos desmaiada no chão. Incontinente minha avó socorreu primeiro minha irmã.

Não tive o orgasmo com o esperado elogio, mas quase me urinei todo com as chineladas que recebi de minha mãe.

Por um longo tempo minha irmã usou esparadrapo na testa e pescoço e um chapéu de pano na cabeça.

Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 02/06/2016
Código do texto: T5655061
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