Ao lado de Aldebarã

Ainda em menino papai se abraçou ao tabaco. E nem por que era bonito fumar, como mostravam as telas em preto e branco, dos tempos de John Gilbert, ou Rudolph Valentino. Afinal, até que ele, empregado na Companhia de Tecidos aos 15 anos, pudesse comprar o seu primeiro maço de Liberty Ovaes, ou de Yolanda, foi um tempão.

E a parceria foi intensa, quase permanente, até que lhe veio a primeira crise de bronquite. Largou, mas não resistiu, voltou, voltou a largar, a retomar num eterno digladiar. E nesse meio tempo achou graça até em dividir comigo, ainda pivete, uma única vez, meio cigarro do Municipal, sem filtro, enquanto supervisionava obras de reforma em nossa casa.

Refreei o engasgo para não fazer feio à generosidade do velho.

E ele continuou fumando até que numa tarde ensolarada de 1961, às vésperas de se tornar quarentão, sentenciou: não fumo mais. E, sem recurso a nicorette, alguma pajelança médica, ou benzeção, manteve a palavra. E nem a coleção de marcas de cigarros que mantivemos, das mais preciosas que, modestamente, já vi, o estimulava a retomar o repudiado hábito.

Nada obstante, e tudo o bastante, aos noventa e dois, repentinamente acamado em funçâo de uma isquemia, mas perfeitamente cônscio e de posse de suas faculdades mentais, ele manifestou a vontade de fumar um cigarro antes de ir embora para onde a fumaça vai em busca da graça.

A despeito da aprovação reticente, e por margem apertada da família, sentiu um conquistador mongol, baforando seu Souza Paiol.

Não afirmo, mas não duvido que aquela estrelinha nova, ao lado de Aldebarã...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 02/06/2016
Reeditado em 02/06/2016
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