O HOMEM ARMADO
(Extraído do livro “Tute-Brincadeiras de Papel” do autor Samuel De Leonardo – Tute)
(Uma homenagem ao meu pai)
Seu Antônio está beirando os noventa anos, se ainda não chegou está quase lá. Comparece ao menos uma vez por semana na mesma agência bancária, isso já há três décadas. Aposentado tem todo o tempo do mundo e pode passar horas dentro do estabelecimento bancário. Todos lá o conhecem. Sua lucidez e desenvoltura são de fazer inveja a qualquer jovem, tanto que ele movimenta a sua conta sozinho, sem nunca ter se enrolado nas senhas e, sempre que pode troca os dados para evitar invasão em suas economias. Não anota nada, acredita na sua cachola.
Falante inveterado que é não perde uma oportunidade para abordar alguém e papear sem importar-se com o ouvinte, e se o mesmo está interessado no que tem para falar. Gaba-se por possuir uma memória rara. Proseia com um, proseia com outro. Conversa em demasia os mais variados assuntos, mas nunca se deixa empolgar quando o assunto é dinheiro, sabe que pessoas idosas são vulneráveis nas saídas de um banco. Literalmente é um velho conhecido de todos ali.
Por sorte seu Antônio fora barrado poucas vezes pela roleta mágica, aquela geringonça, ou porta da esperança, que os bancos impõem aos clientes como se apenas eles pudessem nos assaltar. Mas por algumas vezes a porta giratória bloqueia sua passagem, então pacientemente, sempre na mira do olhar autoritário do segurança, que traja aquela farda ridícula, ele deposita na caixinha acrílica e transparente, também ridícula, todos os seus pertences metálicos, o celular, os óculos, o guarda chuva, a fivela do cinto, o chaveiro, a correntinha, a pulseira de cobre, as moedas, o relógio de bolso, o relógio de pulso, os clipes, as tampinhas de refrigerante, os pregos, os arames. As tampinhas de refrigerante, os pregos e os arames? - Sim, as tampinhas de refrigerante, os pregos e os arames, os idosos adoram catar coisas que encontram pelo chão e os enfiam nos bolsos, vai que um dia precise.
Recentemente o banco no qual o seu Antônio frequenta desde o século passado foi vendido para outra instituição. Mudou-se a bandeira, outros funcionários, outros seguranças e, além do aumento nas tarifas, aumentou a vigilância. O travamento da porta passou a ser rotina nas idas cotidianas do nosso personagem à agência. Ultimamente esses episódios o têm deixado irritado, assim como também os guardinhas arrogantes, pois é sempre a mesma ladainha. Tira as bugigangas dos bolsos, recolhe as bugigangas e assim em todas as vezes que pretende entrar no banco. Uma eternidade para liberar a extensa fila que se forma atrás dele.
Nosso velhinho, por pirraça e para irritar o segurança, a cada ida à agência aumenta o seu acervo, além dos bolsos cheios de quinquilharias agora carrega à tira colo um pequeno embornal confeccionado em brim com diversos objetos metálicos. Dia desses foi barrado, entre as variadas espécies de muambas, portava algumas ferramentas, como martelo, alicate e chaves de fenda. O homem fardado o adverte e o proíbe de entrar na agência portando os seus pertences. Ele não se dá por vencido, na semana seguinte volta mais carregado ainda, agora com uma sacola de pano volumosa e aparentemente pesada. Uma vez mais o sujeito fantasiado de milico o interpela rispidamente:
- Senhor o que carrega dessa vez?
Seu Antônio abraça a sacola como se agarrasse uma escopeta e não se faz de rogado, solta a voz:
- Tenho comigo uma poderosa arma alemã. Posso furar a todos aqui, agora a jiripoca vai piar!
O pânico é instaurado, gente se espalhando para todos os cantos, enquanto uns se atiram ao chão, outros correm para os fundos buscando refúgio atrás dos balcões. O alarme é acionado, clientes e seguranças se protegem. Qualquer reação deles seria uma tragédia. Um caos no estabelecimento. Pessoas desmaiam, outros choram e o velhinho continua firme, em pé na sua posição estratégica apontando o objeto na direção dos seguranças.
Rapidamente o local é cercado por policiais. Um alvoroço nos arredores do prédio. Curiosos logo se aglomeram enquanto agentes especiais corajosamente adentram o estabelecimento e logo conseguem dominar o elemento. Dada a fragilidade do nosso protagonista, ele não esboça qualquer reação, é rendido com muita facilidade. Para surpresa de todos é constatado que a temível arma que o homem portava não passava de uma banal e antiga furadeira elétrica Bosch.
Seu Antônio apenas sorri e, em tom de ironia indaga aos policiais:
- Então, gostaram da minha arma alemã?