Antes tarde que nunca


Acabei de reler um livro que li quando eu tinha dezesseis, dezessete anos, mais ou menos. Faz teeeemo! Abominei o livro. Que coisa mais esquisita. Que escritor maluco, descrever com tantos detalhes um assassinato? Não podia ouvir falar em Fiódor Dostoiévski embora já houvesse lido Os Irmãos Karamazov e gostado demais, Crime e Castigo era falar e lá vinha a repugnância pelo livro. Acabei esquecendo. Mas, questão de alguns meses atrás minha nora me mandou uns livros para que eu lesse: Dentre eles... Crime e Castigo de Dostoiévski. Fiquei preocupada de recusar a leitura e prometi que iria relê-lo. Mas que eu tinha meus senões contra o livro. E assim o fiz. Confesso que foi o livro que mais demorei para ler. Parava., pensava, descansava a mente, porque ele é um livro difícil de se ler. Pelo menos para mim que já fui bem prevenida contra ele. Mas acabei mudando de ideia e hoje acredito que até gostei do texto, um romance muito triste, muito envolvente, muito psicológico  com muitos conflitos de personalidade individual e muito de tudo.

O Personagem principal, Raskolnicóv, um ex-estudante de direito, que vive de escrever textos para editoras, revistas, teve a inaudita ideia de assassinar a dona do quarto que ele alugava e que lhe cobrava implacavelmente o aluguel e lhe corroía a imaginação quando este , necessitado, lhe solicitava algum dinheiro – rublos- em troca de algum objeto. Os juros extorsivos. Capitalismo selvagem que Dostoiévki recriminava e odiava. Ele acreditava que matando aquela mulher horrível o mundo ficaria melhor pois ele estava eliminando alguém abjeto que vivia em função da desgraça alheia. Ele executa seu plano, sem testemunha alguma. O crime perfeito.

Ninguém desconfiava dele. Um moço calmo, educado, um estudante...
Mas ele cai doente e tem pesadelos. Anda pela cidade pensando no seu ato tão bem planejado e executado.Entra num conflito psicológico enorme, descontrolodo, que o leva a pensar até em suicídio. O que os juízes estariam pensando? Quem estariam procurando? Discute com um investigador que desconfia dele e quase lhe arranca a confissão. Mas é salvo por um outro rapaz que se julga o assassino e confessa o crime que não praticou por acreditar em sacrifício para se salvar.

O destino o coloca diante de uma moça crente,  prostituta, que na época era muito discriminada, Sónia. Era um moça paupérrima, muito franzina que com o pouco que ganhava na rua ajudava a sustentar a mãe e três irmãos, todos paupérrimos. Raskolnicov assiste o atropelamento de seu pai por um cavalo. Este é levado para casa pobre e sem a mínima condição de pelo menos chamar um médico para atender o acidentado que acaba morrendo. Ele, diante de tal situação entrega à menina todo o dinheiro que tinha no bolso para que providenciasse o enterro do pai.

Os dois começam uma amizade e ele diante da bondade da moça que é cristã, cria em Deus, na Santidade, no Evangelho e numa conversa que ele angustiadamente tem com ela cita uma passagem do Evangelho, a ressuscitação de Lázaro. Essa leitura do Evangelho parece acordar  sua  espiritualidade. Era um niilista ferrenho.

Depois de muito sofrer pelo ataque de consciência, da imagem que tinha dos homens, do mundo; esse drama que envolveu Raskolnikovi, seus desejos de acabar com a vida, seu sentimento de culpa que despresava, pois não se sentia culpado de nada, seu desânimo de saber que mesmo matando a mulher não mudou nada nem ninguém, que como podia então Napoleão, Cesar ter matado tantos e  ficado impunes ante a si mesmo, ante a humanidade ponto de tornar-se herói. Conversando sobre seus dramas psicológicos com Sónia acaba por lhe contar que é um assassino, e tudo que lhe advém por conta desse crime. Ela pede que ele confesse o crime. Ele reluta mas acaba confessando, entregando-se à polícia. É condenado a trabalhos forçados na Sibéria, onde acaba doente. Mas lá descobre que ama Sónia que vai visitá-lo constantemente. Só faltou quando ela mesmo esteve doente. Ele descobre o valor da religião, o valor da vida. Termina o livro com sua morte.

Dostoiévski conta com requinte de detalhes toda a trama do assassinato, a execução, os dramas de consciência; outros personagens que o ajudaram, que se envolveram com ele, todos com uma vivência psicológica terrível. A mãe, que desconfiava, ou sabia da prisão dele que todos ocultaram dela e que a debilitaram tremendamente pela falta do filho. A irmã que passou por momentos bastante difíceis para ajudá-lo e que o ajudou demais. Razumíkin, o amigo fiel que tornou seu cunhado depois de algum tempo. Porém, Raskolnikov nunca aceitou a culpa pelo crime embora tenha confessado o mesmo . Ele não era culpado de eliminar a mulher que causava tantos males a tanta gente.

Minha má impressão sobre esse livro se foi. Gostei. Antes tarde que nunca.

 
MVA
Enviado por MVA em 29/05/2016
Reeditado em 30/05/2016
Código do texto: T5651044
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