Arroz com rapa
No atropelo do dia que caminha para a metade, entre carros apressados e motos atabalhoadas, eis que de repente, do restaurante da esquina, sinto escapar o inconfundível cheiro de alho fritando no óleo, atingindo em cheio o meu nariz, fazendo meu rosto erguer para cima, de olhos fechados, tentando a todo custo pegar nas mãos aquele cheiro delicioso, como se sólido fosse.
A pessoa do carro ao lado olha para mim de um jeito estranho, mas não ligo.
No deslumbre daquele instante, visualizei na mente a fumaça subindo da panela de arroz, quentinho e saboroso.
Adoro arroz.
É sabido que tenho várias idades, e que muitas vezes, no assombro causado por algum detalhe, como esse cheiro de agora, me remeto em pensamento a outros tempos, a outros lugares.
Assim, abriu-se novamente aquele súbito espelho do passado, fui lá atrás, na mocidade, nas asas daquele cheiro que muito se assemelha ao que saía da velha panela de ferro na qual minha mãe cozinhava.
Imaginei que no fundo da panela tinha rapa e cheguei a sentir o gosto, porque o arroz da minha mãe tem esse ingrediente especial, lá no fundo, bastando remexer a colher, trazer para cima o que está no fundo e com leves batidas levar ao prato a rapa do arroz.
Ah...salivo, mastigo em pensamentos...
E dona Dalva jogava por cima do arroz ovo frito, tomate com alface, misturados com pedaços de carne frita.
Não existe comida melhor que aquela.
Comidinha de mãe é sem igual, já reparei que quando a Graziela consegue tempo pra cozinhar, nossas crianças comem feitos ursos quando despertam da hibernação.
Recentemente tive problemas com o diabetes e descobri, incrédulo, que arroz produz açúcar e, portanto, só poderia comer no máximo duas colheres de arroz.
Mas nunca fui apegado a regras, continuo comendo a porção que meu apetite pede, depois faço caminhada e compenso, com sacrifício, o exagero.
E sempre exagero no arroz.
Não me canso de contar que o prato mais saboroso que experimentei na vida foi um arroz carreteiro, feito na hora, pelo ponteiro da comitiva, numa fazenda na região da ponte do grego, depois de um dia cruzando a estrada, imaginando que a fazenda fosse perto, mas que a viagem durou mais horas que o antes imaginado.
Tinha rapa e charque e só o cheiro quase me fez chorar.
Cheguei a engasgar, tirando risos dos rostos pantaneiros ao meu lado.
Foi um tantinho melhor do que aquele dos tempos da faculdade, que varei o dia estudando para uma prova e nada comi o dia todo.
Quando cheguei em casa, encontrei o arroz da minha mãe, ainda quente, enegrecido pela rapa, que juntei a um ovo frito e comi como se fosse a última refeição, na própria panela, que raspei, raspei e raspei até ficar com o fundo brilhando.
Eu sei que minha mãe faz arroz com rapa todos os dias, mas estou sempre correndo contra o relógio, sem tempo para essas coisas raras e belas que a vida me concede e delas me desfaço com singelas desculpas.
Talvez domingo... - penso breve -
E logo volto a atenção para o volante do carro, enquanto o cheiro vai se esvaindo pela rua na qual atravessa o povo apressado de sempre, e eu , pobre de mim, só queria mesmo um prato de arroz, esfumaçante, saboroso e com rapa, daquele jeito que só a minha mãe sabe fazer.