A COZINHA DO TEMPO

(Diário de minhas andanças)



Desempolere daí, piá de bosta, profere em tom pouco amistoso a dona da casa, ao moleque empoleirado na cadeira de palha defronte ao fogão a lenha.
-Deixa que o calor do fogo lhe "sapeque os baguinhos", e ele salta feito um gato desnorteado, retruca o chefe do lar.
Um zumbido alongado de risadas soando pelo entorno e o "empoleirado", alheio, na birra, prossegue no comodismo da cadeira de palha.
Crepitam as chamas, o leite quase entorna na leiteira de alumínio, café incensa a singeleza do cômodo.
De quando em quando um braço adulto estende-se sobre as cabeças da molecada,pinçando um pinhão assado na chapa.
Rolam os mais variados assuntos ao redor daquele quadrilátero de tijolos, revestido de reboco vermelho.
Alguém esfrega as mãos reclamando do frio.Solícita, a dona da casa serve à um e outro, café com leite em pequenas canecas de ágata, e a piazada faz planos para o dia falando de boca cheia.
A anciã troveja um chimarrão recostada na soleira da janela.Olhar pensativo voejante sobre macieiras despidas no quintal .
Escorre gelada a manhã de julho.
Um bem te vi, mais ousado, saúda o novo dia.A seus pés alvo lençol de gelo envolve o feno seco .
Ansiosa espera pelo sol que fará o brilho de uma nova aurora.
Vazam pela chaminé pequenos tufos de uma fumaça branca como a dizer pela vizinhança, do aconchego que beira aquele fogão.
...E o dia, os meses, anos e vidas sacudiram-se em frios e calculistas calendários.
Um fogão de lenha, uma casa singela imersa no rígido inverno do Sul. Acalantos, alegrias, rumores de vozes que o tempo não apaga.
Memórias que revivem, tão nítidas, claras e mansas , viajando de carona nas espirais de fumaças que delatam acordes de cozinha, da "minha cozinha", durante minhas andanças.

                 Joel Gomes Teixeira