Mas afinal, é combustível biodegradável essa tal tristeza?
Um quarto escuro, numa cama vazia. O som ambiente é quase nulo, ensurdecedor. O frio domina e naquela cena tardia nada de mais acontece. O pensamento então voa, vai longe e chicoteia a memória: poderia ter sido, poderia ter ido, feito assim, respondido, exposto, chorado. Poderia.
O medo neste momento reparte a angústia entre as paredes geladas, berra ao telefone mudo “eu aqui!”. Entre colunas, cimento e tinta, palavras não ditas e lágrimas respingadas, entre o tudo e o nada, o arco e a ponte, entre a inestimável existência já não há explicação.
A ignorância talvez fosse fuga recorrente, acalantasse agora e confortasse. Repartisse esperança, acolhesse a dor e dourasse o olhar distante. Mas não, a ignorância não guarda em si nenhum outro jeito agora, senão da descoberta e da violência do que dantes era oculto. Queima em brasas vivas e ferve o sangue. E os impulsos elétricos, que ontem eram somente impulsos de uma mente arraigada, hoje já ensina o que é amar.
Já não há mais gosto, olfato já não há. E, se já não se vê, nem ouve, muito menos fala, ulula a beleza abstrata e despretensiosa da situação do quarto; o sentir permanece. Cada toque à pele, cada contato chicoteia aquela existência e faz o saber tornar-se um dissabor.
E o momento nessa cena indizível não se sabe se passa ou também congela à noite algoz. Se forem olhos cerrados ou abertos, se ainda há o sonho, se a esperança acontece. Mas algo acontece, os primeiros feixes de luz aparecem como uma intuição. Os primeiros graus de calor reticente e incerto percebem-se. Pés ao chão, rosto à mão, lágrimas mais não. A tristeza que antes batera e batera, cansada se entrega. Um suspiro surge. O telefone toca. La tarará. E vida que segue.