Crônica do Amanhecer
Quando o dia desce ainda as escadas da noite, o ônibus já carregava e despejava vidas por sobre as sombras.
Por um caminho quase deserto, um homem sem sonhos pisoteava na própria alma a cada passo.
Nascera um dia, num passado turvo e esquecido. Talvez seja essa a sua única certeza. Porém, viver ou morrer no momento, não trazia valor algum. Apenas os passos dos pés perdidos, buscando voltar ou seguir para a linha sem fim do horizonte, importavam.
A convivência com o silêncio tornou-se razoável. Real como a complacência do executor para com o executado, foi desenhando sua existência como se rabisca uma folha de papel sem pautas, foi derivando e integrando, unindo-se e dissimulando, foi se autobiografando em cada segundo da sua morte. Morte, sim! Pois acreditava que, após o nascimento, a morte era uma decisão do tempo.
Vários rostos passaram pelos seus olhos, todos cinzas. Tingidos por um grafite quase negro, caricaturando uma fantasia de palhaço triste, sem motivos para chorar e, muito menos, para gargalhar, na manhã daquele dia medíocre.
Lembrou-se de um único som antes de partir. Pareceu-lhe uma voz fraca, infante, algo familiar e feminino, voz de filha pedindo benção ou sorvete. Mas, o ritual já estava roteirizado em trilhas de curtas metragens.
E o ônibus, concebido em aço, gritando com som de borracha e asfalto, esparramou suas células indecisas pelo chão.
Comenta-se que, ainda hoje, o horizonte possui uma tarja vermelha na aurora. Mas, ao escurecer as sombras superam a luz e o cenário espera novo passageiro.
Niterói, 23/09/1997Quando o dia desce ainda as escadas da noite, o ônibus já carregava e despejava vidas por sobre as sombras.
Por um caminho quase deserto, um homem sem sonhos pisoteava na própria alma a cada passo.
Nascera um dia, num passado turvo e esquecido. Talvez seja essa a sua única certeza. Porém, viver ou morrer no momento, não trazia valor algum. Apenas os passos dos pés perdidos, buscando voltar ou seguir para a linha sem fim do horizonte, importavam.
A convivência com o silêncio tornou-se razoável. Real como a complacência do executor para com o executado, foi desenhando sua existência como se rabisca uma folha de papel sem pautas, foi derivando e integrando, unindo-se e dissimulando, foi se autobiografando em cada segundo da sua morte. Morte, sim! Pois acreditava que, após o nascimento, a morte era uma decisão do tempo.
Vários rostos passaram pelos seus olhos, todos cinzas. Tingidos por um grafite quase negro, caricaturando uma fantasia de palhaço triste, sem motivos para chorar e, muito menos, para gargalhar, na manhã daquele dia medíocre.
Lembrou-se de um único som antes de partir. Pareceu-lhe uma voz fraca, infante, algo familiar e feminino, voz de filha pedindo benção ou sorvete. Mas, o ritual já estava roteirizado em trilhas de curtas metragens.
E o ônibus, concebido em aço, gritando com som de borracha e asfalto, esparramou suas células indecisas pelo chão.
Comenta-se que, ainda hoje, o horizonte possui uma tarja vermelha na aurora. Mas, ao escurecer as sombras superam a luz e o cenário espera novo passageiro.