Antonio Maria/ In Memoriam/ 1921-1964)

Antonio Maria/ In Memoriam/ 1921-1964)

(pesquisa seleção e texto/ R. Sombra)

Dono do prestigiado Jornal "Última Hora" Samuel Weiner contratou o cronista Antônio Maria a peso de ouro. Depois perderia a sua mulher para ele e nem mesmo assim despediu o seu importante jornalista.

Os contemporâneos chamaram tal conquista de "A vitória dos brutos e feios sobre os belos e charmosos". Já que Maria - como seus amigos o chamavam - era um brucutu de respeito, assim descrito por Ruy Castro no livro "Chega de Saudades": "Do chão ao teto, 1:85 - e 130 quilos de músculos e gordura socada".

Antonio Maria bem explicado por seu biógrafo - o jornalista Joaquim Ferreira dos Santos:

(...)

"Antônio Maria, cronista maior das noites de Copacabana, sofria de todas as dores de amor e o pior eram que quase todas eram reais. A cultura francesa dava as cartas no mundo, com suas angústias existenciais e náuseas sartreanas, e isso ajudou a embebedar Maria: criador de “Ninguém me ama”, onde o sujeito vai pela vida “de fracasso em fracasso”. Antônio Maria assim apresentou o samba-canção; uma música perfeita, suave, repleta de decepções elegantes sobre a vida amorosa. Maneira que também tinha para escrever letras de música, inspiradas na noite do Rio de Janeiro - com seus cenários de boates e inferninhos de Copacabana:

Briguei com você

Madrugada três e cinco

Três e dez, me arrependi,

De fazer você sofrer

("Madrugada Três e cinco")

Cony dizia que se Antônio Maria fosse mandado para cobrir a posse do Papa então também voltaria cardeal. Enquanto no Rio de Janeiro a noite carioca era dele mesmo, tal como na música "Carioca 1954": "Sou da noite do Rio/ Da noite macia do Rio/ Eu sou deste bar que me chama/Em nome de alguém que me ama". Eclético ainda, para a exemplo dos hai kais contar uma história inteira em rápidas pinceladas; estilo na época chamado de "olho-cinema": Poltrona surrada/ Um cigarro apagado/ Nós dois e mais nada".

Maria o boêmio inveterado, que com o dia amanhecendo certa vez saiu da boate com dois amigos - à procura de um outro bar que ainda não tivesse fechado as suas portas – quando encontra um onde na mesa dos fundos via-se um casal - ao beijos e goles de cerveja - alheios a tudo. Eis que entram dois homens soltando muitos palavrões (segue a crônica no jornal): "Em dado momento, entraram dois rapazes e pediram aguardente no balcão. Ambos disseram palavrões, em voz alta. O casal dos beijos e da cerveja parou com as duas coisas. Outros palavrões e o cabeça do casal protestou: -Para com isso, que tem senhora aqui! Um dos rapazes dos palavrões: — Não chateia! — Não chateia o quê? Para com isso agora! Um dos rapazes do palavrão: — E essa mulher é tua mulher? — Não é, mas é mulher de um amigo meu! A briga não foi adiante. Todos rimos. O dono da casa, os rapazes dos palavrões, o casal. Está provado que: quem sai aos beijos com mulher de amigo não tem direito a reclamar coisa alguma".

Tem história mais carioca do que essa?!

A solidão um tema recorrente em sua obra, presente também em "Oração", crônica de 1954: "Rosinha Desossée, me tire desse quarto de hotel e de todas as coisas que entram pela janela; me leve para longe das palmeiras, mais longe e perto das coisas mais macias; me faça esquecer (depressa) os homens ruins (...) Você Desossée, não saia esta noite e fique, ao meu lado, esperando que o sono me tome e me mate, me salve e me leve, por amor ao teu andar, assim seja..."

Solidão tema também presente na história da velhinha implicante:

"Se trata de uma velhinha de ‘muito valor’, professora de inglês, francês e alemão, mas uma ‘grande criadora de casos’, que não negocia sua comodidade, seu conforto. Por isso não confia nas louças e talheres daquele restaurante de aparência limpíssima. Paciência então, se ela traz de sua casa, lavados por ela: a louça, os talheres e o copo de prata. Um dia o garçom lhe dirá um palavrão? Não acredito. A velhinha tão bela e frágil por fora, magrinha como ela é, se a gente abrir, vai ver, tem um homem dentro. Um homem solitário, que sabe o que quer e não cede ‘isso’ de sua magnífica solidão (O JORNAL, 16/10/1950).

Até que um dia o enfarte veio a fulminá-lo na porta do Le Rond Point, boate de Copacabana onde parou trocar um cheque sem que desse tempo de alguém socorre-lo. No "rasgar o coração" a receita que deixou - de como viver a vida com intensidade. Visão de mundo, e filosofia de vida, que colocou na crônica "Mensagem de final de ano":

"Sou o homem real, que sua, que mente, que disfarça, que teme, que inveja e cobiça. Por isso não gosto que me conheçam aquém e além de um homem constantemente exposto ao erro e ao crime. É dever do ser humano pressentir em seu semelhante um sem-número de intimidades inconfessáveis. Pois o grande e verdadeiro amor ao próximo é aquele que ama os erros mostrados e seus pressupostos. Necessária, portanto, a coragem bastante, para que cada qual se veja e se pegue, se espie e se apalpe, em cada um dos seus mais íntimos espaços físicos e morais. Para que as constantes feiuras a encontrar não nos retraia os olhos (no caso, o sentir) e as mãos. Assim será mais fácil conhecer-se o próximo. Pois faltará ânimo para o fingimento, e a fuga, se acreditarmos que ninguém engana ninguém, e de que somos capazes de conhecer o próximo, desde o instante inicial do primeiro conhecimento"

Pensamentos, escrita e legado de Antonio Maria, que atravessa o tempo sem perder a atualidade. Prosa poética do autor com a qual esta crônica se encerra: "Vivi entre o que viveu. Fui multidão e povo, um lugar ocupado, uma rescendência de suor, uma voz que pediu licença, um olhar que mendigou prazeres e uma parte milesimal dos pés que povoaram".

Cine Astor
Enviado por Cine Astor em 26/05/2016
Reeditado em 23/03/2022
Código do texto: T5647648
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