POVO MAU

 
São dois universos bem distintos. Não é discriminação, é uma realidade de sectarismo. Ah sim e eles nos discriminam mais do que nós a eles. Digo "nós" e "eles" para fazer distinção entre os dois microuniversos, dentro do Brasil e do planeta Terra.
Nós, burgueses, que vamos trabalhar em escola de comunidade, sabemos que os moradores delas não são definitivamente nada parecidos com a gente "do asfalto". Eles, em grande maioria, não têm noção de nada, absolutamente nada. Quando trabalhei em favela, não faz muito tempo, as crianças iam com roupas mijadas, e não trocadas por vários e vários dias, professores e funcionários é quem tinham que dar banho nelas. No inverno, entrávamos nas salas e o cheiro era insuportável, com aqueles casacos que passavam de geração em geração sem nunca ter visto água. Nós "do asfalto", para eles, somos uns otários, de quem é obrigação deles arrancar dinheiro, arrancar vantagens. E falam com a gente com total arrogância, como se dissessem: "aqui vocês não ditam nada, porque este território é nosso!" Às reuniões de pais, nunca iam, a menos que houvesse reunião do Bolsa Família. Que para mim, foi algo de bom que o Governo fez por eles, não só pelo fato da ajuda financeira, mas como uma forma de levar e manter as crianças na escola. O que permite a elas ter um outro tipo de orientação, umas "se salvam", outras não.
Estou me referindo ao que acontece na minha cidade, o Rio de Janeiro, mas que se aplica a qualquer outro lugar com problemas afins.

Muitas vezes, a escola educa para o tráfico. Lembro de um menino de oito anos, fabuloso, inteligente, atencioso, fazia cálculos de cabeça, tinha cadernos super organizados, com uma letra linda. Ele fazia pequenos trabalhos, como ser trocador nas Kombis que transportam as pessoas no morro. E por ser mais esperto do que os outros, o tráfico aliciou.

Lá por cima, há leis de bandidos. Os moradores pensam que os bandidos os protegem. Mas não, se acontece algo por lá envolvendo bandido e morador, as coisas se resolvem por lá mesmo, já que eles nos consideram inimigos, a polícia nem a justiça sobem para resolver alguma coisa. Por isso os bandidos matam a torto e à direita.

Não acredito que um governo sensato não queira que seus cidadãos não sejam esclarecidos, para poder reinar absoluto. Os governos sensatos prezam para que seus governados tenham instrução, pois havendo instrução, tudo tende a crescer, a sociedade tende a crescer como um todo, a evoluir.
As nações tem que ter orgulho delas mesmas, como um indivíduo precisa de autoestima. Só se move uma sociedade acreditando no sucesso das coisas, no potencial desta permuta entre o indivíduo e a sociedade.

Penso que, nós, os artistas, devemos nos engajar, não só para reclamar do sistema, como vejo hoje, mas apresentar soluções de mudança para os indivíduos. Orientá-los nas coisas básicas, através de suas letras e que sejam claras, sem eufemismos e sem metáforas.
Um povo largado pelo sistema, torna-se bárbaro, selvagem, sem-noção, mau por ser mau.
Evidentemente, que não há apenas coisas ruins numa favela, Por outro lado, há um potencial cultural enorme e genuíno. Outrora, brotou o samba, hoje, derivados de outras culturas pela globalização: funk e movimento hip hop. 
LYGIA VICTORIA
Enviado por LYGIA VICTORIA em 26/05/2016
Reeditado em 30/05/2016
Código do texto: T5647477
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